Toda noite tem aurora

Toda noite — tem aurora,
Raios — toda a escuridão.
Moços, creiamos, não tarda
A aurora da redenção.
Castro Alves

Meus heróis não morreram de overdose. Foram perseguidos, caluniados, presos, torturados, crucificados, cortaram-se-lhes em partes, penduraram-nos para que o povo visse e aprendesse, salgaram o solo de suas casas, roubaram-lhes os corpos para que nem os prantear se pudesse. Meus heróis e heroínas foram assassinados pelos poderosos. E os que viveram sofreram a demonização que – vã ilusão – visava a nos afastar de seu exemplo.

Em meio às mobilizações em solidariedade a Lula e em defesa da Democracia em Porto Alegre, estive no Memorial de Prestes, do Niemeyer, e vi muito da trajetória dolorosa e gloriosa do Cavaleiro da Esperança. E eu me comovi. Lembrei de Prestes, de Getúlio, de Tiradentes, de Grabois, Amazonas, Arruda Câmara, Pomar, Elza, Helenira, Marighella, Osvaldão, pensei em Brizola, Jango e Darcy. E me confortei, tão bem acompanhado ao lado dos "derrotados".

Todo cambia, tudo muda, e sem ater-nos ao sentido do movimento, perdemo-nos. Em horas difíceis, nem medo, nem desespero iluminam, mas apenas a solidariedade e a reflexão fria e certeira. O inesquecível Hugo Chávez, preso, em derrota, ensinou-nos esse sentido de movimento, usando apenas duas palavras para qualificar aquele momento: "por ahora". Ou seja, tem muito jogo, ainda. Com isso, lembrou-nos que a luta continua, sempre e nos apontou novos caminhos, como a defesa da democracia sob a perspectiva da luta pela hegemonia, sem ilusões de classe. E nos lembrou de nossa força e que o imperialismo deve ser derrotado. Os inimigos definem-nos tanto quanto os amigos. É alvissareiro o desvelar das ilusões.

E, sempre, os verdugos, Judas Iscariotes, os Silvérios dos Reis, os Auros de Moura Andrade comemoraram por pouco tempo. Não puderam jamais com o amor do povo e dos lutadores e lutadoras, que resgataram do opróbio e da mentira, da dor e do tormento maior – a injustiça -, elevando-os, como bandeira, estandarte, canção, poema, prece, esperança, porque, como dizia Neruda, a Primavera é inexorável. E não é que devamos esperá-la, mas – o querido Marx ensinou há muito, resgatando a dialética – porque o capitalismo cria a partir de suas entranhas mesmas seu próprio coveiro. Não tem essa de ser oprimido e ficar assim. Não. Estamos, felizmente, condenados a perseverar. E se a direita odeia o país e o povo, não temos outro caminho senão acreditar no Brasil e em nosso povo, sabendo que as grandes mudanças são obras coletivas de milhões, ter a confiança histórica de que havemos de lutar, de ousar e de vencer, fazendo por onde.

Vã ilusão das elites essa de tanger-nos à senzala, à prisão e ao silêncio, enquanto vendem nosso país, escravizam nosso povo e destroem nosso futuro. Não tem ideia de como alimentam a chama que não mais questionará apenas a forma, mas o conteúdo para a retomada do país. Não tem arrego, mas tem aprendizado, do inimigo, de nós, e da flexibilidade necessária, a ginga que teremos de ter, para virar o jogo.

As elites brasileiras jogaram a democracia no lixo, desmoralizaram a justiça, querem destruir o país e vender o povo no mercado de escravos. Assim, explicitaram a natureza de classe do Estado, expondo a toda a esquerda a indissolúvel ligação da democracia, da soberania e da vida do povo à perspectiva socialista. Como Lula, tão magnânimo, deve estar a aprender, e quanto jogo há para jogar, ainda.

Como os países submetidos ao colonialismo tem demonstrado ao longo da História (e disse-o Stalin em 1952), as bandeiras da Paz, da Democracia e da Soberania foram atiradas ao solo pela burguesia. São nossas. Hoje, mais que isso, a própria sobrevivência da vida na Terra depende de pormos fim à barbárie capitalista, que opõe 99% da humanidade a 1% de "semideuses".

Não se trata de sectarismo. Não se pula da defensiva e da derrota para a radicalização, um erro tático primário, estimulado por ilusões e por indução do inimigo de classe, que nos quer isolados, desmoralizados, mortos. Não. Mas trata-se de observar o estilhaçar de tantas ilusões reformistas, tanta esperança no institucional, tanta bobagem de um suposto republicanismo que favoreceu o sequestro da soberania popular por entreguistas, espiões, canalhas e herdeiros das casas grandes de sempre.

Esse aprendizado, o trauma, a expressão odiosa dessa elite apátrida se mostram aos olhos da Nação, e hão de estimular uma profunda reflexão sobre a centralidade da soberania nacional, a ocupação estrangeira sob mãos entreguistas, o desprezo da casa grande pela democracia, pelo voto popular e a necessidade de ir além do que já conquistamos, formando a unidade ampla e, ao mesmo tempo, ampliando o horizonte de transformação e rupturas, que tanto se evitou, na ilusão de um caminho menos árido, pedregoso…

Ao mesmo tempo, vemos as mesmas lições na América Latina, um avanço na consciência necessário para uma região que, necessariamente, terá de lidar com a potência imperialista mais perigosa de todos os tempos.

Toda solidariedade a Lula, que se eleva ainda mais para o papel histórico formidável que há de cumprir. A hora exige reflexão acurada, avançar na unidade do povo, dos democratas, patriotas e da esquerda, jogar o jogo sem cedência, agonia ou ingenuidade, com ginga, acumular forças num trabalho de base à altura da gigantesca tarefa de libertar o Brasil e seu povo, é essa a radicalidade de que carecemos. Diógenes Arruda Câmara Ferreira cunhou a lição de Lênin sobre a diferença entre radicalidade e burrice: "Ampliar, radicalizando e radicalizar, ampliando". Ser radical, hoje, é construir a Frente Ampla para defender a democracia, o Brasil,os direitos do povo e Lula. Nós apenas começamos.

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