1987, o passado distópico da música brasileira

Uma das publicações recorrentes nas redes nos últimos dias é uma imagem que compara artistas de 1987 com alguns nomes que, segundo a publicação, seriam os destaques de 2017 ou os mais importantes artistas brasileiros do momento. 


Rincon Sapiência

Com inúmeros vacilos e equívocos, a postagem ganhou notoriedade e possibilitou importantes debates. Resolvi repercutir, no Música Quente desta semana, uma das mais interessantes análises sobre o tema, escrita pelo jornalista e DJ sergipano Rafa Aragão.

É importante reforçar e ampliar o debate em um ponto: sobre os motivos pelos quais nem todos os artistas da nova música brasileira chegam a se transformar em "hits do verão". O autor do texto original não menciona, mas claramente traz à luz a pauta da concentração de meios de comunicação nas mãos de oligopólios familiares, fator que atrapalha a pluralidade de vozes na mídia brasileira.

Sobre este aspecto, chamo a atenção para a luta pela democratização da comunicação. A regulação dos meios (que obviamente não significa censura) é um ótimo caminho para canalizarmos estas reflexões e apoiar as emissoras públicas de rádio e TV é fundamental nessa guerra midiática.  

 
1987 x 2017 por Rafa Aragão


A pessoa que acha que a música brasileira passa por uma “atrofia cultural” ou sofre de um forte saudosismo ou realmente não está acompanhando o que tem sido produzido hoje. Temos ótimos artistas lançando trabalhos consistentes e variados como: The Baggios (SE), Baco Exu do Blues (BA), BaianaSystem (BA), O Terno (SP), Boogarins (GO), Meta Metá (SP), Àttooxxá (BA), Xênia França (SP), Luedji Luna (BA), Flora Matos (DF), Karol Conka (PR), Letrux (RJ), OQuadro (BA), Rincon Sapiência (SP), Maglore (BA), Don L (CE), Liniker (SP), entre vários outros. Procurei aqui citar os mais “novos” e que lançaram trabalhos recentes.

Se alguns desses artistas não alcançam as paradas de sucesso ou não se tornam hit do verão, aí entrariam outras questões, que envolvem mercado, distribuição, gênero, regionalismos, entre outros fatores.

Engana-se também quem acha que, nos anos 70 e 80, as pessoas ouviam mais MPB. O primeiro disco de Caetano Veloso a vender 100 mil cópias foi Totalmente Demais em 1986, onde Caê interpretava o hit do Hanoi Hanoi em versão acústica. O disco também contém a música “Todo amor que houver nessa vida” do Barão Vermelho e “Amanhã” de Guilherme Arantes. Ou seja, podemos creditar o sucesso do disco aos hits que já eram de gosto popular e que nem sempre eram bem vistos pela crítica. Na mesma época, o RPM vendia 2,2 milhões de discos com Rádio Pirata Ao Vivo.

O fim dos anos 80 é marcado pela forte presença do chamado “BRock” nas rádios e na TV, gênero que se consolidou pós-Rock In Rio de janeiro de 1985, com o sucesso de grupos como RPM, Paralamas, Legião Urbana, Ira!, Engenheiros do Hawai, Capital Inicial, entre outros.

É também o início da ascensão da música afro-pop baiana, com o lançamento da música Faraó – Divindade do Egito pela banda Olodum, e pelo fricote de Luiz Caldas e Sarajane. Outro detalhe da “lista de melhores de 1987” é quando eles colocam Marisa Monte, que, apesar de já se apresentar como cantora na época, só seria conhecida em todo Brasil ao lançar seu primeiro disco em 1989. Foi em 1987 que Reginaldo Rossi lançou Garçom, que se tornaria hit nacional na década seguinte, mas já seria conhecida em todo nordeste.

Esse saudosismo muitas vezes vivenciado por pessoas que não eram nem nascidas em determinados períodos é o que permite o retorno de algumas bandas, com uma carga de importância maior do que de fato têm, lotando shows e vendendo discos nem sempre (quase nunca) com novidades. Já que é pra ser cult, escutem o que dizia Belchior: “Você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem”.

Fica a dica.

 

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