CUT-24 anos: a central de um homem só

A concentração de poderes e as atitudes personalistas do presidente da CUT eleito no 5º Congresso, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, se acentuaram na reta de chegada do 6° Congresso da central. Até o setor bancário da Articulação Sindical fazia crí

Em agosto de 1997 ocorreu o 6º Congresso da CUT. Concorreram com Vicentinho à presidência da central Wagner Gomes, da Corrente Sindical Classista (CSC), e Jorge Luiz Martins, o Jorginho, representando a Alternativa Sindical Socialista (ASS), a Articulação de Esquerda (AE) e o Movimento por uma Tendência Socialista (MTS). As “negociações” da Previdência enterraram a possibilidade de repetição da unidade em torno do nome de Vicentinho, como ocorreu no 5º Congresso.


 


Até a Articulação Sindical se dividiu. “Concordamos com as críticas feitas pelos bancários sobre a falta de debate na última gestão e estamos abertos a discutir com eles — e com qualquer outra tendência — alguma composição política”, disse Wagner Gomes ao jornal O Estado de S. Paulo no dia 29 de julho de 1997. Na entrevista, Wagner Gomes afirmou que a CSC iria ao Congresso com propostas e críticas. A principal proposta seria a de trabalhar pela união de todas as tendências da CUT, de partidos da oposição e dos movimentos populares na gestão seguinte da central para enfrentar o governo FHC.


 


Hegemonia a qualquer custo


 


A principal crítica da CSC se referia ao papel conciliador assumido por Vicentinho na gestão que terminava. “A CUT teve atuação oscilante no último período e, no caso da negociação da Previdência, foi pior, foi uma atuação desastrosa”, disse Wagner Gomes. Para ele, a Articulação Sindical ouviu pouco as posições das demais tendências. “A atuação da CUT deve ser resultado de decisões coletivas e não de uma só corrente política ou de um só dirigente”, ressaltou.


 


Jorginho também fez duras críticas à Articulação Sindical. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, ele acusou a tendência majoritária da CUT de evitar deliberadamente a discussão política no 6º Congresso da CUT. Jorginho disse que havia uma revolta generalizada dos delegados com o excesso de ''festa'' no Congresso e quase nenhuma discussão política. ''A impressão de todos é que só se discutem cargos. Que o único interesse do Congresso é resolver a situação da Articulação, sem o estreitamento do debate político'', afirmou. Segundo Jorginho, a manobra era uma forma de evitar que os problemas da Articulação Sindical fossem discutidos publicamente. ''É uma clara intenção de manter a hegemonia a qualquer custo'', afirmou.


 


Oposição a Vicentinho


 


O instinto de preservação uniu a Articulação Sindical em torno da candidatura de Vicentinho. ''Estamos trabalhando para evitar o racha na Articulação'', disse Ricardo Berzoini, à época presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Mas os bancários exigiram mudanças na estrutura de decisão da central e na composição da diretoria. ''Nós estamos sugerindo que as decisões na CUT passem por um debate mais amplo. Elas não podem ser tomadas por um grupo ou por uma única pessoa'', afirmou Berzoini. Segundo ele, se as discussões não avançassem a opção dos bancários seria fazer oposição a Vicentinho, mesmo votando na chapa da Articulação Sindical.


 


Foi mais ou menos isso que acabou acontecendo. Ricardo Berzoini e João Vaccari Neto (à época diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo), em artigo intitulado “Um gesto contra a CUT de um homem só”, publicado pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 13 de agosto de 1997, criticaram Vicentinho severamente. “A história da CUT e sua credibilidade — conquistada com o esforço de milhares de trabalhadores, entre eles os bancários — exigem, no nosso entendimento, cada vez mais responsabilidade e compromisso dos seus dirigentes. Mas não é o que tem acontecido nestes últimos três anos. A participação nas decisões, a democracia interna e o debate de idéias foram substituídos pelo personalismo, que tem sido a marca da autoritária gestão do atual presidente, o companheiro Vicentinho, ao privilegiar sua visibilidade pessoal em detrimento da construção coletiva das estratégias”, escreveram.


 


Protesto lembrou jejum


 


No artigo, Berzoini e Vaccari lembraram, como exemplo de personalismo de Vicentinho, as “negociações” sobre a “reforma” da Previdência. “Havia uma série de pontos de que a CUT não poderia abrir mão. Vicentinho, porém, anunciou pela imprensa que havia chegado a um acordo com o presidente FHC. Com isso, colocou em risco a defesa de conquistas como as aposentadorias proporcional e por tempo de serviço”, escreveram.


 


Eles disseram ainda que em maio de 1996 os dirigentes sindicais foram surpreendidos com o anúncio de Vicentinho, durante a manifestação do Dia Internacional dos Trabalhadores, de que haveria uma greve geral no mês seguinte. O problema não era a greve. “A convocação, por vontade pessoal de Vicentinho, criou um fato consumado, que impediu o debate interno, restringindo-o a quem era contra e quem era a favor da decisão”, disseram Berzoini e Vaccari.


 


Eles escreveram também que a greve de fome de 24 horas realizada por Vicentinho — segundo os autores do artigo, o protesto lembrou um jejum — para protestar contra a decisão de FHC de denunciar (retirar a adesão) a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata de impedir a demissão ''imotivada'', aprovada pelo Congresso Nacional em 1992 e ratificada pelo governo em janeiro de 1995. Segundo Berzoini e Vaccari, o presidente da CUT deu “um caráter individual de protesto contra uma postura do governo que atingia a todos os trabalhadores, que era o desrespeito à Convenção 158 da OIT”.


 


Imposições de Vicentinho


 


As críticas mais duras foram reservadas ao processo sucessório na CUT. “O autonomismo de Vicentinho ficou patente no processo sucessório da CUT. Suas idas e vindas sobre a decisão quanto a ser candidato a deputado federal em 1998 ou reeleger-se na CUT possibilitaram todo tipo de especulações e desgaste político de companheiros, inviabilizando a discussão e as críticas ao seu mandato. Finalmente, fomos contemplados com o ‘Dia do Fico’, com imposições de caráter administrativo e de teses — algumas que não foram discutidas na sua própria corrente política, mas que já começam a aparecer nos jornais, e outras cujos assuntos já estavam para ser debatidos no Congresso Nacional da CUT”, escreveram.


 


Berzoini e Vaccari também criticaram a Articulação Sindical por aceitar as imposições de Vicentinho. ''Preocupa-nos muito que a Articulação, corrente política majoritária e responsável pelas teses hegemônicas de uma central de massas respeitada como a CUT, aceite esse tipo de situação sem minimamente questionar que tipo de direção queremos”, afirmaram. E prometeram reagir. “O Sindicato dos Bancários de São Paulo não aceita nem vai compactuar com o silêncio e a passividade. Não temos a menor confiança em que a solidariedade e o compromisso coletivo venham a prevalecer na próxima gestão. Se o companheiro Vicentinho descolou-se demais do coletivo e privilegiou ações pessoais, muitas vezes despolitizadas, isso só tende a se agravar no futuro”, escreveram.


 


Um novo rumo para a CUT


 


As palavras finais do artigo expressavam a intenção de formular uma plataforma sindical combativa. “Preferimos prosseguir nossa trajetória de construção da CUT e de fortalecimento da luta dos trabalhadores, abrindo mão do que parece ter se tornado o referencial para boa parte dos dirigentes, que é a disputa de cargos na direção. O pluralismo, a visão classista, a democracia e a solidariedade foram as bases fundamentais em que se assentou a construção da CUT, permitindo a convivência de tantas diferenças. Acreditamos que é sobre essas bases que ela deve prosseguir, tendo em vista a sempre necessária unidade da classe trabalhadora. Queremos construir a CUT de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Não aceitamos a central de um homem só”, escreveram.


 


Não eram apenas os bancários que demonstravam a necessidade de um novo rumo para a CUT. No 6º Congresso da central, uma pesquisa realizada pelo Datafolha indicou que a maioria dos delegados desejava que a CUT realizasse mais ações contra o governo FHC. Dos entrevistados, 41% disseram que a central deveria organizar mais greves. Para 64%, a CUT estava fazendo menos do que poderia. Sobre a convocação de greves gerais, o apoio foi de 92%. A criação de empregos deveria ser a principal reivindicação para 65%. Era um sentimento natural diante das evidências de que FHC cumpriria a promessa de se livrar da “era Vargas”. Mas o movimento sindical já vivia uma crise de grandes proporções. Volto ao assunto na próxima coluna.


 


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