Reflexões sobre a “crise”, a superficialidade e a uma patologia em moda

Passarei algumas semanas literalmente fechado em copas e concentrado na solução de  demandas surgidas pelo desenrolar de minha pesquisa acadêmica. Porém, capitalismo norte-americano em crise, defesa de teses antileninistas na agricultura e o “lulismo

A “crise” terminal


 


O momento que vivemos, marcado – conforme Lênin em momento histórico semelhante (1905) – por um subjetivismo, misticismo e uma tendência ao idealismo filosófico tem em pelo menos dois temas uma grande expressão: a “crise” do capitalismo nos EUA e a “superioridade moral da vida camponesa” e da pequena produção de alimentos contra o agronegócio “malvado” pró-imperialista.


 


Interessante notar que não são duas constatações novas. Desde a década de 1930 este tipo de conversa já era corrente. Isso independente dos cinqüenta anos e ouro ou do aparelhamento – no Brasil – de uma empresa como a EMBRAPA e a viabilização dos complexos agro-industriais. Sobre a crise norte-americana prefiro não comentar muito. Acho que meu amigo Sérgio Barroso está dando conta do recado e muito bem dado.


 


Gostaria apenas de lembrar aos vulgares de nosso lado que apesar da vontade de cada um permitir que se vislumbre a possibilidade de pautar o movimento de rotação da Terra, os programadores econômicos norte-americanos conhecem tanto quanto qualquer programador econômico chinês a forma de funcionamento do sistema. A economia norte-americana é tão planejada quanto qualquer economia socialista. Doa a quem doer: o imperialismo descobriu a pelo menos seis décadas o modo de funcionamento das ações espontâneas ou objetivas das leis econômicas.


 


Nunca é demais lembrar que enquanto a esquerda latino-americana lota salas de espetáculos para ouvir as opiniões de Atílio Borón, Samir Amin e adjacências sobre a “crise final”, o ocidente capitalista produziu economistas burgueses nada vulgares como Schumpeter e Keynes. Aliás, nada mais keynesiano que a relação entre a financeirização e a produção de armas de destruição em massa. As mulheres e crianças do Iraque que o digam.


 


Enfim, sendo o conhecimento de como funciona o capitalismo contemporâneo um desafio de nosso movimento, é de suma importância o combate à diagnósticos de baixo calão teórico e empírico. Abraão viveu mais de cem anos fazendo filhos. O capitalismo por seu turno, por mais condenado à morte que esteja continua se reproduzindo. Caso tivesse vivo, Nikolai Kondratieff explicaria muita coisa interessante aos nossos vulgares.


 


Do jeito que a coisa anda não me surpreenderei em ler em artigos assinados por marxistas-leninistas citações de um charlatão do nível de Robert Kurz.


 


Não falta muito, não…


 



Questão agrária e a apologia contra-revolucionária do atraso


 


Sobre a questão agrária todos já sabem minha polêmica e muitas vezes isolada opinião que enxerga no desenvolvimento das cidades a solução dos problemas agrários. Afinal a crise agrária suscita problemas agrários e não agrários. A superprodução de cereais é um problema agrário, enquanto que a derrocada do pequeno produtor e a conseqüente formação do exército industrial de reserva é um problema não-agrário. Isso quem diz é Lênin. Não eu. Mais, a agricultura, segundo Marx é cada vez mais um elo na divisão social do trabalho. Logo, a pequena produção de mercadorias (não esse absurdo semântico de “agricultura familiar”) só existe em função da grande produção. Impossível separar uma coisa da outra.


 


Logo não se justifica a entrega – pelo PRONAF –  de bilhões de reais a “agricultores familiares” que em uma “pequena propriedade” de 30 hectares comportam uma altíssima composição orgânica do capital que, por sua vez, permite o abastecimento de frango a complexos como o da Sadia. Isso é simplesmente o cúmulo de algo que pode se chamar de completo desconhecimento da realidade concreta por parte de nossos gestores estatais. Denuncia que existe um ministério do Planejamento para “inglês ver”. Ou melhor, somente para planejar o superávit fiscal. E coisas do tipo…


 


***


 


A coisa anda tão triste que já nem me surpreende mais ler artigos – em nosso meio –  marcados pela superficialidade da análise e um “corte-cola” de dados estatísticos produzidos por alguma pesquisa (feita, por exemplo, no Depto. de Geografia da UNESP de Presidente Prudente) financiada pela Fundação Ford (leia-se imperialismo) onde se constata a superioridade econômica e social da pequena produção de mercadorias ante a grande produção. Outras fontes dão conta da relação entre investimento e emprego no campo pra sustentar determinadas teses. Enfim trata-se de uma apologia à agricultura de subsistência que será superada um dia pela “economia natural do socialismo”.


 


Prefiro a transformação da grande propriedade capitalista em fazenda estatal ou coletiva. Pior é a relação entre reforma agrária e ocupação de espaço no campo. Já acredito que o grande interessado no fim do latifúndio não somos nós de esquerda. Esse “salve-se quem puder” da guerra comercial na agricultura impele a grande produção a pressionar o latifúndio na busca de queda dos custos de produção. Quem estudou o processo que envolveu a Guerra de Secessão nos Estados Unidos pode compreender melhor esse processo. Naquela época, quem iria exportar algodão para a Europa? O sul dos Estados Unidos ou o Brasil?


 


Por fim é bom deixar claro que o governador de SP, José Serra, com todo seu reacionarismo anexo, tem razão ao afirmar que a reforma agrária é inviável financeiramente. Aliás, não é nenhuma genialidade dele ter chegado a esta constatação.


 


Mas daí até explicar que “focinho de porco não é tomada” – a “esquerdalha” – já condenou à lata de lixo a relação feita por Smith do avanço tecnológico e o surgimento da divisão social do trabalho, as teses marxianas das rendas diferenciais e da renda territorial, assim como Kautsky e Lênin. E ainda vão, a título de exemplo, utilizar a NEP implementada por Lênin como uma “prova de amor” de nosso revolucionário-mor ao campesinato ao invés de relacionar a NEP com a necessidade de se utilizar recursos ociosos na agricultura e promover um processo primitivo de acumulação pela intensificação das relações campo-cidade. Ou seja, nas palavras do próprio Lênin: fomentar o surgimento de um mercado interno.


 


Tá difícil…


 



O “lulismo” como patologia


 


Encerrando esta breve e temporária despedida não poderia deixar de falar de um fenômeno recente: o “lulismo”. Não que eu não apóie o Lula, não tenha votado nele. Votei e votaria de novo. Fico ao lado de Lula contra a revista Veja, a Folha, o Estadão, etc. Agora julgar o governo satisfatoriamente por conta de uma postura democrática, pela ótima relação política com  algum ministério desses e pelo atendimento à demandas sociais represadas é simplesmente algo preocupante. O parâmetro de comparação não deve ser FHC e sim com governos chefiados por estadistas como Getúlio Vargas, JK ou Ernesto Geisel.


 


Retornando, aliás, em determinados círculos de esquerda diversos, criticar o governo Lula com uma certa veemência pode ser um atestado de óbito político. Como tudo que é sólido desmancha no ar, no reino da superficialidade, o debate político e teórico aberto e fraterno é substituído pelo prejulgamento e o isolamento. É a tal mania de alguns que ao invés de se apossarem das virtudes de Stálin, preferem se deleitar com os defeitos…


 


***


 


Tudo bem, independente do governo ser democrático, o ministro da educação ser uma figura simpática e Lula receber os ditos “movimentos sociais” em seu gabinete – por mais que seja um avanço – não é suficiente para qualificar de popular ou não esse governo. Muito menos de nacionalista. Pelo amor de Deus !!! 


 


Lula deve ser pressionado de forma clara e responder aonde ele quer chegar com esse câmbio anti-nacional. Onde quer chegar com essa taxa de juros que – antes que algum lulista venha dizer que tal está em queda – quero saber se Lula baixará a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) para menos de 9%.


 


Entre outras – irritantes – coisas: integração sul-americana a passos de tartaruga (afinal como integrar se o país chefe do processo mal tem uma indústria ferroviária instalada, um sistema de intermediação financeira, capacidade de exportação de capitais e planejamento de déficits com nossos vizinhos etc etc etc).


 


Por fim e dramático que possa parecer, até onde “nosso” Presidente da República quer chegar com a entrega de 35% do orçamento da União de “mão beijada” para os bancos.


 



Macroeconomia e opções politicas


 


Primeiro: a diferença entre esquerda e direita no poder é, no âmbito geral, de quem é capaz de levar adiante um projeto que contemple o rápido desenvolvimento das forças produtivas e abra luz no caminho da fusão entre capital industrial e bancário. Em outras palavras, quem é capaz de promover a independência nacional.


 


Que a macroeconomia não é de esquerda nem de direita todos já sabem. Mas é de direita ou de esquerda a forma como se busca a tal “estabilidade” macroeconômica. Neste caso existe uma opção em andamento. Opção esta que Lula insiste em afirmar pelos cotovelos ser a de sua preferência.


 


Não acredito em governo popular que contemple uma política cambial e de juros deste naipe. Porém, não cabem argumentos que atrelam a não influência do fator câmbio em nossas relações comerciais. Dizem que estamos tendo superávits e isso explica tudo. Esquece-se de explicar a verdade encontra-se na essência do fenômeno e a essência do fenômeno, ou seja, a decomposição de nossa pauta de importação e exportação demonstra claramente o rumo da desindustrialização em marcha.


 


A história é cruel: se na década de 1970 competíamos com o centro do sistema na fabricação de cabos ópticos submarinos, hoje lutamos por justiça nas relações comerciais como forma de tornar menos onerosa a concorrência no setor primário da economia mundial.


 


Esse é o “x” da questão que a patologia lulista insiste em não explicar. Explica-se. Às vezes: tudo é uma questão de correlação de forças.


 


Justificando a letargia…


 


Até mais.

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