Superestrutura feudal e corrupção no Brasil

Não existem novidades acerca da defesa que tenho feito de que o Brasil passou sim por uma etapa histórica de desenvolvimento na qual o feudalismo foi o modo de produção dominante. Sobre isto já escrevi anteriormente (“Generalidades sobre o feudalismo

Logo, tenho me perguntado as origens deste fenômeno que anda corroendo o Estado nacional brasileiro há mais de vinte anos. Estou falando da corrupção, e não no sentido moral do termo e sim como fenômeno de uma contradição objetiva, mais necessariamente àquela relacionada à base econômica x superestrutura.

Fim de um pacto de poder

A rápida ocupação de terras dos pampas gaúchos e do sertão nordestino, aliada a necessidade de nossa fazenda de escravos atender as demandas de uma superpotência colonial, levaram as bases do modo de produção escravista no Brasil ao colapso. Necessariamente podemos falar de três condições objetivas para o colapso do escravismo no Brasil.


  1. A ocupação de todas as terras virgens brasileiras obedecendo a condição jurídica tipicamente feudal de “não haver terra sem senhor” e


  1. O surgimento de um padrão de reprodução humana estranha à lógica feudal: a população negra no Brasil “explodiu” após a segunda metade do século XIX, incentivada por leis como a do “Ventre Livre” e a proibição do tráfico de escravos.


  1. O relacionado no item acima é fruto, também, de um necessário relaxamento de relações de produção, abrindo portas a uma chamada “economia natural” no seio da fazenda de escravos. Economia natural (produção para o próprio consumo) esta também muito estranha a qualquer lei do modo de produção escravista.
Logo estavam criadas condições políticas para que este latifúndio feudal – associando-se de forma subalterna à classe dos comerciantes de exportação e importação – chegasse ao poder. Esta oportunidade chegou com a abolição da escravatura e a proclamação da República. Enfim: a base econômica pressionava a superestrutura por mudanças qualitativas no pacto de poder que regia o Brasil e que já, a partir dos estímulos externos (1º crise de superprodução no centro do sistema relatada por Engels). Uma outra grande crise (a de 1929) levaria ao colapso o pacto de poder anterior, colocando em seu lugar a classe dos latifundiários feudais voltados ao mercado interno (gaúchos e nordestinos) e de forma subordinada os industriais paulistas.

A Revolução de 1930 colocou no centro do poder o pacto que até hoje governa os rumos do país.

Brilhantes ontem, decrépitos hoje

Não é de se estranhar que um pacto de poder encabeçado por latifundiários feudais promovesse nossa industrialização sem reforma agrária. De forma semelhante, exemplos deste tipo de desenvolvimento podem ser vistos em países como a Alemanha e o Japão, onde as pressões externa e internas fizeram com que latifundiários tomassem o poder, industrializassem seus países sem grandes mudanças em sua estrutura fundiária. Logo as grandes anomalias sociais e econômicas brasileiras tem raiz nesta forma de industrialização, que apesar de tudo, foi brilhante e demonstrou que este pacto de poder governou competentemente nosso país. Ao quebrar os laços que nos uniam à Inglaterra, abrimos caminho à nossa industrialização financiada pelo capital financeiro norte-americano.

A questão é que na história do desenvolvimento humano tudo o que foi bom ontem, necessariamente se desgasta e deve ceder lugar a algo mais progressista: podemos negar que os homens que fizeram a revolução americana não eram progressistas em seu tom e hoje não passam do que a há de mais reacionário no mundo?

O fim do pacto de poder de 1930 pode ser melhor analisado no fato de haver atualmente uma grande desarmonia entre base econômica x superestrutura, redundando em dois fenômenos intimamente ligados: a desaceleração econômica e o apodrecimento dos pilares do Estado. Por trás disto está a ação avassaladora do poder imposto “de fora”. Em 1930, a Inglaterra era um obstáculo ao nosso desenvolvimento, hoje o imperialismo norte-americano cumpre este papel, dominando com mãos de ferro os gânglios vitais de nossa economia (Banco Central) e de nossa inteligência (academia do eixo Rio-SP e imprensa).

O regime cria seu próprio coveiro

No Brasil, a evidência da decrepitude de um pacto de poder pela via da constatação de um não desenvolvimento das forças produtivas já deveria ser de conhecimento coletivo, pois desde 1980 nosso país não cresce. Por outro lado, e é nisso que quero me concentrar, existe algo também claro relacionado com o apodrecimento da nossa estrutura estatal. Qual a raiz deste fenômeno.

A crise de 1929, que levou ao colapso um pacto de poder ancorado no comércio exterior, foi substituído pelo latifúndio voltado ao mercado interno e a classe dos novos industriais. Estão aí duas condições objetivas puramente políticas para o desenvolvimento das forças produtivas no Brasil de então: a formação de um exército de reserva nas cidades como condição objetiva à industrialização e consequentemente a urbanização e um potencial mercado para produtos primários dentro do território nacional. Para isto Vargas institucionalizou a reserva de mercado nacional acabando com as fronteiras que separavam os estados e tratou de prover políticas macroeconômcas indutoras de nosso desenvolvimento.

Na medida em que o poder feudal se assenta no monopólio da terra (da mesma forma que o monopólio da mão-de-obra é a principal característica do escravismo), promove políticas indutoras de industrialização, está condenando-se a morte pelo aparecimento de uma indústria capaz de prover o latifúndio de meios de produção suficientes (insumos, tratores, etc) para atender demandas externas e internas. Vai se criando base para a substituição do latifúndio feudal pelo latifúndio capitalista, altamente mecanizado, talvez o mais mecanizado do mundo. E onde se assenta o monopólio de poder no modo de produção capitalista? Resposta fácil: no monopólio dos meios de produção, logo o pacto de poder de 1930, com o desenvolvimento de nossa indústria, vai perdendo completamente o sentido. Por outro lado, para agravar a situação desta classe, o próprio mercado de terras é fator desmoronador do monopólio do latifúndio.

Enfim, como muitos não imaginavam, quem desmoronou o poder do latifúndio no Brasil não foi uma revolução agrária e sim o próprio capitalismo que penetra no campo. Defender um retorno ao passado da pequena produção, só pode ser considerado algo no mínimo reacionário.

O pacto de poder de 1930 criou seu próprio coveiro, mas este coveiro (industriais e trabalhadores) ainda não ocupa de fato o poder da nação, pelo menos no essencial, está fora, pois não existiu de fato uma substituição na essência do Estado brasileiro de uma superestrutura feudal com uma superestrutura condizente com a base econômica capitalista que construímos no século passado.

Lula e a corrupção

A eleição de Collor em 1989, tipo este que teve como primeira medida baixar a zero as alíquotas de importação marcou a tomada – pelo imperialismo norte-americano – do poder no Brasil. Conseguiram em 1989 o que a Inglaterra não conseguiu em 1930 no Brasil, mas que neste mesmo 1930 conseguiu na Argentina. Sobre FHC não cabe muitos comentários, pois ele trouxe de volta ao poder a mesma classe que fora posta fora dele em 1930 (comerciantes de exportação e importação, vide Daslu), isso sem falar da necesidade imperiosad dele em destruir nosso parque produtivo industrial, destruindo e corrompendo os “coveiros” do modelo feudal.

Em ambos os governos, na falta do monopólio da terra para assentar seus poderes, o principal ingrediente não poderia ser outro: o corrompimento aberto de acadêmicos, jornalistas, parlamentares. Com dinheiro do imperialismo, evidente e uma boa “tacada” dos cofres públicos. Enfim, a reação em toda a linha. Outros regimes decrépitos partiram para este tipo de ação. O Czar russo, sem base econômica de poder com a penetração do capitalismo na Rússia, parte para o corrompimento aberto. Chiang Kai-shek, na China, idem. Isso somente para citar alguns exemplos.

O governo Lula, que numa opinião particular não pratica nem um centésimo da corrupção praticada nos governos Collor e FHC, se vê envolto de acusações pelos próprios mestres da “bandidagem”. Talvez o confronto com “eles” poderia ser bem mais tranqüilo caso nosso país crescesse com índices de pelo menos 7% ao ano, o que poderia redundar numa base de poder onde a corrupção poderia até ser um aperitivo, não o prato principal. Lula caso reeleito poderá com uma nova política macroeconômica unir em torno de si todos os setores prejudicados pela farsa do neoliberalismo.

Pegaria muito mal para qualquer parlamentar pressionar um governo (por cargos e presentes e feudos) que leve esta nação para frente com elevados índices de crescimento com distribuição de renda.

A harmonia entre base econômica e superestrutura seria um waterloo a senhores feudais desprovidos de terra, onde a sobrevida deles depende da capacidade de pressão sob o Estado.

Acredito ser este o “x” do problema, e não a busca de bodes espiatórios como uma “burguesia associada” e coisas do tipo. Se tentarmos saber o porquê de tal “associação” poderemos chegar mais próximos do “x” do problema: a base econômica em desarmonia com a superestrutura.

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