Umas palavrinhas sobre pais bobões e machões…

Todos os homens que desejam exercer a paternidade têm que lidar com o tempo e os recursos (em especial, os emocionais) de que dispõem, por isso, não acredito que exista um perfil de “pai ideal”. Venho tentando, nesta coluna, refletir sobre qual a paternidade que queremos e também abrir caminho para analisarmos como esse debate vem sendo travado atualmente. As breves histórias relatadas a seguir têm o intuito de contribuir para esta reflexão.

Em dezembro de 2016, fui convidado a participar de um encontro de especialistas sobre gênero, masculinidades e paternidade na capital dos EUA. O momento do convite não poderia ter sido mais apropriado, já que a minha parceira e eu havíamos descoberto que ela estava grávida há poucos dias. Assim, viajei animadíssimo com a importante discussão e também com a incumbência de procurar alguns livros, em especial, algo sobre nutrição durante a gestação. Por sorte, havia uma livraria pequena mas com ótimo acervo na quadra do meu hotel e de cara encontrei um livro sobre nutrição que aparentava ser promissor.

Aproveitando que lá estava, percorri as prateleiras em busca de livros sobre paternidade e, para a minha surpresa achei sete, algo que nunca aconteceria no Brasil. No entanto, a minha animação foi diminuindo ao prestar mais atenção às suas capas e títulos e folheá-los.

De cara, antipatizei com o fato de todos se apresentarem como “guias para a paternidade” e o motivo para isso é simples, não acredito que exista uma receita para ser pai, ou mãe.

Sempre que vejo um desses livros, lembro de uma história que ouvi de um professor meu há muitos anos. Ele disse que, após uma palestra, uma mulher perguntou a Freud o que deveria fazer para educar bem o seu filho, ao que ele respondeu “Não se preocupe, não importa o que você fizer, fará errado”. Curiosamente, parece que Freud nunca disse isso, mas apesar da autoria dúbia, continuo achando a mensagem bastante válida… Gosto muito da ideia da paternidade e da maternidade como um processo de tentativa e erro e acredito que se pudermos enxergar esses papéis tão complexos dessa forma, teremos mais chance de nos mantermos longe da ilusão de que controlamos algo, assim nos poupando de muita frustração desnecessária.

Mas voltando aos livros, após passar quase uma hora os folheando, pude compreender o que afinal estava me incomodando tanto. Aparentemente, os autores apenas conseguiam enxergar três formas de se atrair homens para leituras sobre paternidade: 1) Deixar bem claro que estavam falando para pais hétero e machões, do tipo que usa camisa de botão xadrez e sabe consertar coisas; 2) Apelar pro tipo macho-nerd-bobão-infantilóide, muito comum em filmes de comédia de Seth Rogan, Steve Carell e Will Ferrel ou 3) Vender a imagem do pai hipster, algo muito em voga entre homens brancos de classe média e alta dos EUA e do Brasil.¹  

A segunda história aconteceu uns dois meses depois, no Recife, quando junto com a minha parceira, eu estava participando pela primeira vez de um grupo de gestantes sobre parto normal humanizado (voltado a um público marcadamente branco e de classe média e alta). Lá chegando, fui surpreendido positivamente pela sala cheia de gestantes e, principalmente, pelo fato de todas estarem acompanhadas pelos seus parceiros.

Tal qual havia ocorrido na livraria, não demorou muito para que o meu entusiasmo azedasse. Para ser mais preciso, não passou da apresentação para que eu notasse algo estranho. As mulheres se apresentavam primeiro, diziam seu nome, com quantas semanas estavam de gestação, como ficaram sabendo do grupo, o sexo do bebê e alguma outra informação. Depois, como se seguissem um roteiro, seus parceiros diziam “Meu nome é fulano e… bem, acho que é isso, né?!” e todo mundo ria, como se estivéssemos em um daqueles programas de comédia gravados com plateia.

Se tivesse parado por aí, tudo bem, mas não parou. Durante as quase três horas de grupo, com raras exceções, as falas dos homens tinham alguma conotação cômica e mesmo quando não havia essa conotação, as pessoas riam da mesma forma. Boa parte das perguntas feitas pela facilitadora aos homens parecia seguir o mesmo caminho, já que buscava esse lado “engraçado”. Em dado momento, quando eu disse algo totalmente normal, mas não engraçado, escutei o irônico comentário da facilitadora “Olha só, parece um professor!”. No fim, saí com a forte impressão de que os homens alegremente entravam naquele jogo, talvez aliviados por não escutarem a palavra “responsabilidade” e por conseguirem mascarar as suas inseguranças com umas poucas piadas sem graça.² 

O problema é que eu sei, por ser pai e por trabalhar há mais de 15 anos com o tema da paternidade, que durante a gestação, especialmente da primeira, muitos homens também são tomados por uma infinidade de dúvidas e por sentimentos de insegurança e medo. Com um pouco de sensibilidade (e compreensão da discussão de gênero), momentos como esse podem ser muito propícios para aproximarmos os homens de diversas discussões importantes e também para fazer com que eles ouçam genuinamente as necessidades de suas parceiras.

Talvez você esteja achando que eu sou um grande ranzinza (e eu sou um pouco mesmo, não nego), mas tirando o meu eventual mau humor, a questão que eu quero apontar é que, com grande frequência, a forma como o assunto é abordado – em livros, em grupos, pela publicidade, por programas de televisão etc. – tem contribuído pouco para mudar o modelo vigente de masculinidade e de paternidade e, às vezes, tem até reforçado estereótipos de gênero que gostaríamos de ver cada vez menos.

Assim, ao invés de um debate um tanto vazio que busca “valorizar” a paternidade, proponho uma reflexão crítica e honesta sobre ela, levando em conta que estamos no século XXI, que felizmente o papel das mulheres mudou de forma radical e que o modelo de família dos seriados estadunidenses da década de 1950 nunca foi e nunca será representativo da nossa população.

Acredito que esse processo pode contribuir para que retiremos as nossas armaduras e máscaras de macho, permitindo, dentre outras coisas, que nos comportemos de forma boba e infantil quando estivermos brincando com as nossas filhas e filhos. Que nos permitamos ser bobos então, mas bobos imbuídos de um propósito libertador para a nossa vida, para a vida de nossas parceiras ou parceiros (e das/os nossas/os ex) e para as vidas de nossas crianças.

[1] Não comprei nenhum deles, optando por levar o excelente “Angry white men: American masculinity at the end of an era” (Homens brancos raivosos: a masculinidade americana no fim de um era), de Michael Kimmel, que infelizmente não possui tradução para português. No fim, foi a minha parceira quem terminou achando e me presenteando um livro brasileiro sobre paternidade que recomendo fortemente “Orfeu de Bicicleta: um pai no século XXI”, do filósofo Francisco Bosco.
[2] Felizmente, encontramos um outro grupo que igualmente contava com uma participação maciça de homens, só que sem o estímulo a piadas bobas e à infantilização.

Ilustração: Snezhana Soosh.

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