Independência, condição de soberania

A história da humanidade apresenta, ao longo dos milênios, várias formas de luta pela liberdade dos indivíduos quando estão ameaçados por um domínio explorador que não respeita a integridade e os direitos naturais dos seres humanos.

Para o seu fortalecimento agrupam-se a partir da família a outros com que tenham afinidades. O idioma é um forte laço que permite o entendimento e a troca de informações, que vão levar a reflexões sobre questões práticas ou abstratas e ao estabelecimento de princípios éticos e planos de defesa da comunidade.

No confronto com inimigos lutam e defendem os "seus". Vencidos e escravizados, a sua coesão sofre fraturas. Ao surgirem momentos de libertação, voltam a unir-se aos que são capazes de restaurar a antiga comunidade. Procuram outras comunidades em condições de vida semelhantes às quais se associam dando origem a povos que aceitam normas de convívio e de organização social comuns.

Ao surgir um povo agressor, dotado de recursos e conhecimentos superiores à capacidade de defesa existente naquelas comunidades, lutam e sucumbem frequentemente. São escravizados para prestarem os serviços que interessarem aos dominadores. As formas de uso do poder corresponde ao estágio de desenvolvimento alcançado pela sociedade que se estabelece como "dominante", desde a definição do escravo como "animal" para suprir todas as necessidades do seu "dono", até o convívio social em que os vencidos vão constituir classes inferiores diferentes.

Toda a história do colonialismo explica a formação de Estados dominados pelas nações dominantes. Surpreende-nos que a literatura do início do século XX revele a "descoberta tardia" de que os seres humanos dominados quando ainda viviam em comunidades dispersas não eram "animais". Tal "crença" foi alimentada por correntes religiosas que defendiam o sistema da colonização, apesar de existir uma discussão intelectual, fechada entre os eruditos, que a contestasse há, aproximadamente, quatro séculos. Assim foi estruturado o preconceito racial, vigente nos dias de hoje, que sempre favorece o sistema de exploração social e econômico.

Com o evoluir do conhecimento científico e as conquistas dos trabalhadores de seus direitos humanos e sociais, o domínio sobre povos considerados "subdesenvolvidos" ou do "Terceiro Mundo" passou a ser contestado por correntes filosóficas, religiosas e políticas que se expandiram pelas sociedades através do sistema de ensino universitário, da comunicação social e da formação de partidos e movimentos sociais. Durante o século XIX proliferaram as ações revolucionárias tanto na Europa como em Estados colonizados que introduziram o conceito institucional de soberania ligado à condição de independência a ser desenvolvida como um processo gradual de criação de estruturas jurídicas, econômicas e políticas.

Na sequência da revolução industrial e da disseminação do movimento republicano e da libertação dos escravos nas nações europeias e suas colônias, ocorrem as duas grandes guerras que definem um novo desenho das nações soberanas e da correlação de forças entre elas. Como instrumento de equilíbrio e diálogo é definida em 1945 uma Carta das Nações e a Organização das Nações Unidas, com os vários serviços específicos para atender e promover as conquistas da humanidade. Idealmente estabelecia-se a igualdade de direitos nacionais e individuais para todos os povos.

Somos já três gerações adultas a acompanhar o exercício desta instituição internacional que afirma o direito dos povos de viverem em harmonia graças ao respeito pelos direitos democráticos dos Estados existentes e de igualdade das suas populações. O conhecimento da vigência da ONU em mais de sete décadas, mostra-nos a necessidade dos povos – em especial as classes trabalhadoras, mas também de estudiosos vários que defendem os princípios de igualdade dos cidadãos e de democracia do sistema social, econômico e político nos países, – manterem uma luta permanente para contrariar a tendência das elites poderosas de explorarem de todas as formas os trabalhadores e privarem as suas famílias das condições necessárias de sobrevivência com acesso à defesa da saúde, à formação escolar, à habitação condigna, à segurança social, que existe para os estratos sociais mais abastados na sua sociedade. A igualdade de direitos é prometida a nível judiciário mas, comprovadamente, não existe na vida real. Ou seja as leis existem, mas não são aplicadas a favor de qualquer cidadão. O mesmo ocorre com a democracia – depende da vontade da elite poder. É uma característica do sistema onde domina o capital.

Os direitos de cada cidadão são avaliados à luz dos preconceitos com que a elite poderosa que comanda o sistema defende o seu poder: de classe, de raça, de idade (as crianças e os idosos são desprezados), de gênero, de opção ideológica e religiosa. no entanto existem leis sobre a igualdade entre todos.

Também existem desigualdades "justificadas pelo sistema" decorrentes da condição do Estado em relação à metrópole que o coloniza ou do acordo firmado com uma Federação ou União. De modo geral a Nação gere as relações dos seus Estados, autônomos ou não, com as demais nações, e recolhe uma percentagem da economia para manter um equilíbrio entre todos e garantir a defesa geral.

Na América Latina temos assistido os efeitos catastróficos dos tufões e outros acidentes climáticos que destroem as habitações, as infra-estruturas sociais e dizimam as populações (colonizadas por ricas nações europeias ou pelos Estados Unidos), e depois recebem das metrópoles uma ajuda como outros paises oferecem a título de solidariedade. Se alargarmos a vista, veremos que o mesmo ocorre em outros continentes (ainda "subdesenvolvidos") da mesma maneira senão pior. Na rica nação dos Estados Unidos os fenômenos climáticos devastam sempre os Estados onde vivem os imigrantes africanos e latino-americanos, sendo um território retirado ao México em tempos passados.

As lutas pela independência são cada dia mais difíceis diante da concentração dos poderes internacionais nas mãos de uma elite internacional que resultou da formação da ONU sob a liderança dos Estados Unidos. Mas existem vários Estados europeus que conseguiram um estatuto de autonomia que lhes permite manter algumas características próprias relacionadas com o idioma e alguns aspectos da cultura originária. Neles o povo passa a vida vigiando para não ser prejudicado pelo governo central federal que, de modo geral, mantém o preconceito contra o "irmão" que afirma com orgulho as suas diferenças.

Este foi o caso da Catalunha, Estado autonomo e fonte de riqueza da Espanha. Com história passada de lutas e vitórias, fortaleceu-se durante o período em que a Espanha adotou o regime republicano, promovendo a industrialização. A ditadura de Franco instituiu um regime parlamentar com o rei indicando o Presidente e aboliu as instituições criadas pela Catalunha – segurança, saúde, ensino, cultura – e proibiu o uso do idioma catalão. Com o fim da ditadura,1975/89, todas estas instituições foram recuperadas criando-se um novo estatuto de autonomia.

Em 2006 o governo de direita de Mariano Rajóy declarou não válidos alguns artigos, gerando uma relação considerada de discriminação contra os catalães que defendiam o seu idioma e cultura como "nacionais" e a organização política republicana e autônoma.

Para solucionar o problema tratado pelas instância jurídicas do governo espanhol, o Presidente do governo catalão convocou em 2017 um referendo popular com mais de 2 milhões de eleitores obtendo 90% a favor da constituição de um Estado independente. O governo central enviou forças policiais que invadiram os locais, levaram urnas e feriram centenas de eleitores. Para conduzir um diálogo com o governo da Espanha, o governador da Catalunha apelou para que a população respeite a paz social e colabore com as suas opiniões sobre os passos de um processo para serem criadas as condições para a independência.

Não é fácil introduzir nos debates políticos que ocorrem sob as regras autoritárias do sistema capitalista, a idéia de que as decisões de mudanças de relação entre Estados evoluem como um processo que recebe a participação popular. A república de Cuba, revolucionária e independente, reconhece a importância de atos como o da libertação dos escravos pelo proprietário rural Céspedes no século XIX desencadeando um movimento histórico que deu início ao processo revolucionário que levou à conquista do socialismo.

Também não é fácil o diálogo entre os que consideram a independência uma necessidade para impedir a imposição autoritária de medidas que eliminam a liberdade de um povo e os que veem a independência de um Estado dominado como a perda econômica e política de parte do seu poder.

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