Golpe é a expressão do autoritarismo

Qualquer golpe, de qualquer natureza, expressa mais do que um objetivo político imediato da classe social que o executou.

Revela, incontestavelmente, uma concepção autoritária. É a negação da democracia e das soluções coletivas. Uma clara manifestação de desprezo pelo povo, geralmente visto pelo golpista como um mero estorvo, incapaz de engendrar qualquer solução plausível.

Daí a necessidade, segundo a lógica do déspota, de que ele seja colocado de lado, desprezado, eliminado, para que um ungido possa “restabelecer a ordem”.

A base teórica dessa concepção vem de Thomas Hobbes, expresso na sua obra O Leviatã (1642), na qual ele sustentava que o povo era eminentemente mau, egoísta e mesquinho; incapaz, portanto, de viver em sociedade, a não ser sobre a chibata de um imperador com poderes absoluto, daí a defesa que ele fazia do estado absolutista.

Assim, tanto um golpe legislativo/judiciário, quanto uma quartelada militar clássica, estão assentados no mesmo princípio autoritário. O pretexto para justificar o desprezo pela democracia, pelas decisões populares, são invariavelmente os mesmos ao longo dos tempos. Temas de real preocupação popular, como combate a corrupção e segurança, são demagogicamente manipulados pelos golpistas para mascararem o seu objetivo autoritário, como os exemplos abaixo ilustram.

A farsa legislativa/judiciária – travestida de impeachment – que afastou a presidenta Dilma Rousseff desprezou solenemente 54 milhões de eleitores (as) que votaram, mais do que na presidenta, num determinado programa. Mesmo que admitíssemos que a presidenta havia cometido crimes passíveis de punição – hoje está provado que não houve – por que o programa escolhido pelo povo não continuou sendo executado?

O mesmo questionamento pode ser aplicado às quarteladas militar clássica. Em 1964 o pretexto, alem do surrado discurso de combate à corrupção, era o de impedir o avanço das experiências socialistas que floresciam no mundo, especialmente na então União Soviética. Jango era simpático a esses avanços e o povo lhe apoiava. O golpe, portanto, foi para privar o povo de fazer a sua própria experiência. A história noiss conhecemos.

Agora, mais de um militar, de baixa e alta patente, defendem abertamente uma quartelada, ou seja, o golpe militar clássico. O pretexto? Segundo o porta-voz deles, o General Mourão, os políticos, o executivo e o judiciário não conseguem por ordem no país. Assim, diante da falência dos “poderes”, caberia aos militares – que deixaram o país destroçado após 21 anos de golpe – “salvarem” o país, embora ninguém tenha lhes dado essa procuração pelo advento do voto popular.

Infelizmente, essa ameaça de quartelada é real. Vem sendo gestada há muito tempo, tanto pelas “viúvas” da ditadura militar quanto pelos novos déspotas de plantão. Encontra base teórica no autoritarismo preconizado por Hobbes e no atual golpe articulado pela direita brasileira, sob a supervisão da Central de Inteligência Americana (CIA), que reascendeu o autoritarismo latente, relativizado desde a eleição de Lula e Dilma.

Agora volta com força. Afinal, quando se abre uma latrina não é possível esperar que de lá saia um odor agradável. Temer e os seus golpistas destamparam a latrina do autoritarismo, de onde tem se alimentado as delações sob tortura e agora germina a proposta de quartelada.

O voto popular, com todas as críticas e eventuais deformações que se possa identificar, é o único mecanismo com legitimidade para solucionar impasses e construir alternativas. Qualquer outro mecanismo a que se recorra não passa de uma manobra autoritária que nega a participação do povo e reivindica para “ungidos” a solução de impasses estruturais.

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