Em defesa de certa desordem

“Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
Quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
E me revoltei ao lado deles”.
(Brecht)

Tudo hoje no Brasil parece convidar ao desalento. Aparentemente, vivemos num mar de desesperança no qual nosso navio está a deriva. Fica cada vez mais nítido o golpe perpetrado pelas forças conservadoras, não apenas pelo meio como foi realizado, mas principalmente pelas suas finalidades. Em pouco mais de um ano o governo ilegítimo foi capaz de realizações que somente são possíveis deixando o povo alheio às decisões do país. O congelamento de investimentos públicos, a entrega de nossas riquezas naturais e a liquidação do patrimônio público coloca o Brasil novamente subserviente aos interesses estrangeiros e faz da crise econômica um pretexto para manter os privilégios dos ricos às custas dos trabalhadores.

Avolumam-se nos noticiários e nas redes sociais os movimentos para a eleição de 2018. Restará, contudo, Brasil até lá? As ações de Temer se aceleram com reformas constitucionais e privatizações de difícil reversão no futuro. Quais serão as propostas para isso em 2018? Não haverá “limites jurídicos”? Qual será a leitura da esquerda em relação ao golpe? Aqueles que promoveram um impeachment fraudulento aceitarão uma derrota nas urnas? Por quais motivos o povo – ignorado até o presente momento pela elite social e econômica do país – seria levado em consideração em 2018?

Nós estamos jogando um jogo onde é a casa-grande que estipula a regra. E, ao que parece, a única regra que importa é a derrota dos trabalhadores.

Talvez tenhamos que repetir com Karl Valentin, o comediante e amigo de Brecht: “Antigamente o futuro era melhor”! Hoje, ele não nos parece tão próspero do que quando projetávamos a vinculação da riqueza do Pré-Sal para a educação pública e todo o impulso econômico que esta cadeia produtiva poderia nos proporcionar. Nos últimos anos milhões de brasileiros emergiram da miséria. Objetivamente, tiveram oportunidade da casa própria, eletrodomésticos, acesso à universidade. Enfim, dignidade. O que será desses brasileiros o qual o desemprego e a miséria batem a porta como um fantasma?

Não há respostas fáceis. Todavia, diante da situação que o país se encontra, é impossível não se revoltar. As forças perniciosas e reacionárias parecem ser as que mais atuam. Por isso, é preciso reagir. No sacrifício diário do povo há fissuras que ensejam a revolta. Cada qual no seu lugar, por mais modesto que pareça, tem algo a fazer pelo Brasil. Os que se impuseram pela força da fraude consideram-se no direito praticar os atos que quiserem, mas lhes falta a autoridade popular que só os brasileiros podem conferir. Essa legitimidade pode ser aferida nas urnas, caso haja um consenso no país em torno de um pleito democrático justo, ou pela força autentica e popular das ruas, caso a elite continue a escolher o caminho autoritário.

A mudança pode começar a cada momento – no aqui e agora – e é isto que a casa-grande mais teme. Não há motivos para ficarmos passivos. Não há razão para uma postura de mero espectador e para esperar até 2018 por um messias ou qualquer "renovação" que o valha. Nos últimos anos, lutamos pela paz, formando consensos, para acumularmos forças a fim de nos preparar para a ruptura revolucionária. Nesse momento, entretanto, tal diálogo é extremamente difícil. Não pelas forças progressistas, mas pela ofensiva conservadora. Isso se dá num modo geral, ao privatizar, retirar direitos dos trabalhadores e inviabilizar a aposentadoria e no particular, ao acordar moradores de rua com jatos de água gelada ou demolir prédios com famílias dentro.

Cada qual que mereça, pelos gestos que movem contra o povo, tem que ser hostilizado. Sentir a rejeição popular. Se for com ovos, que seja com ovos. Se for com ocupações, que seja com ocupações. Se for com greves, que seja com greves. Quem pratica a maior violência são aqueles que saqueiam o país de inúmeras formas. A mesquinharia chegou a tal ponto que pretendem tirar dez reais do salário-mínimo para saciar a sanha dos especuladores!

O arbítrio está naqueles que coagem o povo e entregam numa bandeja nossas riquezas aos interesses estrangeiros, como fazem com a Amazônia. Vivemos num estado de exceção permanente. Busquemos agora a exceção da exceção, na qual a soberania seja depositada em quem realmente a confere: o povo. Tudo depende em não desanimar. Como diria Debord, ““a vitória será daqueles que souberem provocar a desordem sem a amar”. Aos olhos de quem vê de cima – na perspectiva de quem esmaga os mais humildes – a desordem será vista como tumulto. Para aqueles que estão embaixo, isso significará tão somente viver uma vida plena.

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