CUT-24 anos: a última ação unitária

Nesta quarta coluna sobre a passagem dos 24 anos de fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), relato os acontecimentos que redundaram na última ação unitária do movimento sindical contra o regime militar: a greve geral do dia 21 de julho de 19

O ano de 1981 começou sob o impacto dos intensos acontecimentos de 1980. A preparação da 1ª Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat) agitava os meios sindicais. O evento realizou-se nos dias 21, 22 e 23 de agosto de 1981 na cidade de Praia Grande, litoral paulista. Representando 1.126 entidades sindicais, os 5.247 delegados aprovaram a data de 1º de outubro como o “Dia Nacional de Protesto” e elegeram uma comissão que deveria encaminhar a organização de uma central única dos trabalhadores, a pró-CUT.


 


Segundo a deliberação da Conclat, no dia 1º de outubro, quando as reivindicações do evento seriam  entregues ao governo — o manifesto pedia, entre outras coisas, o fim do desemprego, da carestia, não à redução de benefícios da Previdência Social, reforma agrária, direito à moradia, liberdade e autonomia sindicais e liberdades democráticas —, os sindicatos deveriam promover manifestações de trabalhadores, atos públicos e até paralisações parciais.


 


Assassinos dos “órgãos de segurança”


 


Em todo o país, intensificava-se a mobilização contra a crise econômica. No dia 29 de maio de 1981, o “Movimento Contra a Carestia”, sindicatos e outras entidades sociais lançaram uma campanha com o objetivo de impedir os aumentos dos preços dos alimentos por um período mínimo de 12 meses. No ano, a inflação ultrapassou os 120%, contra um reajuste salarial de apenas 95%.


 


A repressão também dava sinais de vitalidade. Em junho de 1981, um manifesto assinado por 68 entidades sindicais declarava apoio e solidariedade ao Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, que havia sofrido intervenção federal por promover atividades reivindicando melhores condições de trabalho, reajuste salarial e assistência médica à população. Os atentados terroristas, tramados nos porões da ditadura militar — onde atuavam os assassinos dos “órgãos de segurança” —, se espalhavam pelo país com o objetivo de impedir o avanço da abertura política.


 


Eleições quase gerais de 82


 


No dia 2 de julho de 1980, o jurista Dalmo Dallari, da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, foi seqüestrado e agredido em São Paulo. Bancas de jornais que vendiam publicações de oposição eram alvos de bombas. E sindicalistas sofriam ameaças de violência. Entre janeiro de 1980 e meados de 1981, os terroristas promoveram mais de oitenta atentados. Todos alvejaram entidades democráticas, concentrações populares, publicações de oposição e pessoas combativas.


 


No dia 30 de abril de 1981, véspera do Dia Internacional dos Trabalhadores, dois terroristas planejavam atacar o pavilhão do Riocentro, no Rio de Janeiro, onde realizava-se um show, quando a bomba explodiu antes da hora matando um deles.  Mas esses eram os últimos suspiros do terror implantado com o golpe militar de 1964. Em 1982, haveria eleições quase gerais, que afundariam mais ainda o regime. O país havia mergulhado numa contradição que já mobilizava multidões. De um lado, o velho regime se batia para sobrevier e, de outro, as forças democráticas avançavam para erigir uma nova ordem política.


 


Quadro macroeconômico internacional complexo


 


Ainda em janeiro de 1981, a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) informou que o trabalhador brasileiro havia perdido 19% do seu poder aquisitivo desde 1979. A causa era a lei salarial tida como milagrosa pelo ministro do Trabalho, Murillo Macedo. Para piorar a situação, o estudo da RAIS mostrava que um novo decreto alterando a fórmula de cálculo de aplicação do INPC traria mais perda salarial.


 


Mesmo com a política recessiva implementada pelo ministro do Planejamento, Delfim Netto, os problemas da economia brasileira se agravaram. O país estava atado a um quadro macroeconômico internacional complexo, resultado do acentuado endividamento externo promovido para financiar o “milagre econômico” entre o final dos anos 60 e o começo dos anos 70 — quando a taxa de crescimento deu uma significativa acelerada e a ditadura militar aproveitou o feito para intensificar a violência política.


 


A cada minuto uma pessoa perdia o emprego


 


No começo dos anos 80, os juros internacionais foram brutalmente elevados pela administração do presidente norte-americano Ronald Reagan e a economia brasileira, pressionada pelos encargos da dívida externa, entrou em colapso. Em 1982, o governo recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e aceitou o seu monitoramento, o que incluía novas regras para a política salarial. Com a divulgação desses dados, os trabalhadores começaram a discutir a necessidade de uma greve geral no país. Outros decretos arrochariam ainda mais o rendimento dos trabalhadores e desencadeariam uma nova onda de manifestações populares.


 


A situação econômica do país se agravara consideravelmente. Em São Paulo, a cada minuto uma pessoa perdia o emprego. Mais de 700 mil trabalhadores estavam desempregados. Com a aplicação da receita do FMI, o custo de vida subia vertiginosamente. Os decretos impondo mudanças na lei salarial para reduzir a renda dos trabalhadores agravavam ainda mais a situação. A explosão social era inevitável. No começo de abril de 1983, desempregados promoveram uma série de depredações e saques a estabelecimentos comerciais em São Paulo.


 


Cenário para intervenção federal


 


O Palácio dos Bandeirantes — sede do governo paulista — teve suas grades arrancadas e a manifestação foi reprimida pela polícia. Pouco antes de a onda de saques ter início, a cidade viveu, durante três dias, o pesadelo do locaute (greve dos patrões) das empresas de ônibus, que pleiteavam aumento das tarifas. Atrasos, filas, irritação, dificuldade para chegar ao trabalho e voltar para casa; e os poucos ônibus em circulação, superlotados, contribuíram para a eclosão da revolta popular, que destruiu 26 ônibus — dois foram incendiados e os outros quebrados a pedradas e pauladas. Vários supermercados, padarias e açougues da Zona Sul, área de concentração industrial e operária, começaram a ser atacados no dia 4. A situação chegou a tal ponto que todas as unidades do 2º Exército entraram em prontidão, por ordem da Presidência da República.


 


No Estado do Rio de Janeiro, 30 mil soldados da Polícia Militar e seis mil policiais civis entraram em prontidão. A medida foi determinada pelo governador Leonel Brizola (PDT) após a ocorrência de saques contra o supermercado Guanabara, em Senador Camará. A onda de saques logo se espalhou pelo Estado. Os governadores Franco Montoro e Leonel Brizola diziam que existia um movimento dirigido com o objetivo de promover agitação a fim de desestabilizar os governos oposicionistas dos dois Estados. Para Brizola, havia o interesse de se criar um cenário que justificaria uma intervenção federal. “Há muita gente inconformada com a democracia”, disse ele.


 


A grave situação dos trabalhadores


 


A suspeita do governador do Rio de Janeiro não era infundada. Era evidente que o movimento, iniciado de modo justo e espontâneo por trabalhadores, em seu segundo dia foi engrossado por baderneiros , aproveitadores e grupos interessados no retrocesso político, insuflando tumultos e depredações que não tinham relação com a luta dos trabalhadores. Mas a presença desses aproveitadores não ocultava uma verdade elementar: a situação de desespero dos trabalhadores, que exigiam o fim da repressão policial, a ativação de frentes de trabalho, passe livre nos transportes públicos e cesta de alimentos para socorrer os desempregados.


 


A Comissão Pró-CUT do Estado de São Paulo abriu uma campanha de coleta de alimentos para os desempregados. No dia 1º de Maio de 1983, os acontecimentos do começo de abril foram o principal assunto do ato realizada na Praça da Sé, na capital paulista. A greve geral também mereceu grande atenção. Em todo o país, nas manifestações organizadas pela Comissão Nacional Pró-CUT a paralisação foi enfatizada como uma necessidade para enfrentar a grave situação dos trabalhadores.


 


A política econômica desastrosa adotada pelos governos militares era a responsável por aquela situação. A inflação acumulada do ano de 1982 foi de 99,71%. O ministro do Planejamento, Delfim Netto, acabara de anunciar um empréstimo junto ao FMI de 4,4 bilhões de dólares. Uma nova “carta de intenções” assumindo compromissos com a recessão, o desemprego e o arrocho salarial foi assinada.


 


A campanha contra os trabalhadores


 


A fogueira da greve geral começou a ser acesa com o decreto 2.025, de 30 de maio de 1983 — que pretendia extinguir os benefícios dos funcionários ligados ao Estado no âmbito federal, das administrações direta e indireta. O governo e a “grande imprensa” desencadearam uma campanha contra esses trabalhadores com a alegação de que eram “privilegiados” que ganhavam acima da média e contavam com benefícios que a “sociedade” não podia bancar.


 


No dia 16 de junho de 1983, 35 entidades sindicais e associações de funcionários públicos aprovaram o estado de greve, em protesto contra o decreto 2.025. Diversos setores da sociedade — estudantes, partidos de esquerda, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entre outros — se solidarizaram com os trabalhadores, manifestando publicamente suas posições. O governo recuou, mas no dia 29 de junho o presidente Figueiredo assinou um novo decreto, o 2.036, atacando diretamente os direitos dos funcionários das estatais federais — como o abono de férias, as promoções, os auxílios para alimentação e transporte, o salário adicional anual e a participação nos resultados.


 


Mobilização do governo contra a greve


 


No dia 5 de julho de 1983, a refinaria do Planalto (Replan), na cidade de Paulínia — interior do Estado de São Paulo —, a maior do país, parou. Na Replan, 153 trabalhadores foram demitidos. Isso correspondia a 10% do efetivo. Imediatamente, o ministro do Trabalho, Murillo Macedo, decretou a intervenção no Sindicato dos Petroleiros de Paulínia e afastou o presidente da entidade, Jacó Bittar.


 


Os petroleiros de Mataripe, no Estado da Bahia, também fizeram greve — e o sindicato foi igualmente interditado. Os metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema pararam em solidariedade aos petroleiros e o sindicato da categoria foi outro que sofreu intervenção. No dia 14 de julho de 1983, um novo decreto — o famoso 2.045 — foi publicado pelo governo com o objetivo de arrochar ainda mais os salários. A medida atingia também os aluguéis e o Sistema Financeiro da Habitação (SFH).


 


A greve geral era iminente e uma intensa mobilização de membros do governo federal foi desencadeada para tentar evitar a paralisação. O ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, ficou encarregado de redigir um decreto regulamentando a convocação das polícias militares para o âmbito federal caso os governadores de oposição não reprimisse os trabalhadores. O ministro do Gabinete Civil, Leitão de Abreu, foi escalado para telefonar aos governadores e avisar que qualquer relaxamento dos efetivos policiais seria considerado, em Brasília, incentivo à greve e “à perturbação da ordem”. E o ministro do Trabalho, Murillo Macedo, foi enviado a São Paulo para reunir-se com lideranças sindicais.


 


A garantia de Magaldi contra a greve


 


Murillo Macedo chegou à capital paulista no dia 15 de julho de 1983 para receber uma comissão de 11 presidentes de sindicatos eleita pelo “Secretariado Nacional dos Trabalhadores nas Empresas Estatais”. Com a edição do decreto 2.045, os dirigentes sindicais julgaram que não havia mais o que conversar com o ministro e cancelaram o encontro. Dois representantes foram designados para informar a decisão — Geraldo de Vilhena Cardoso, presidente do Sindicato dos Telefônicos de São Paulo, e Rubens Craveiro dos Santos, presidente do Sindicato dos Ferroviários de São Paulo.


 


Em nota entregue ao ministro, os dirigentes sindicais diziam que o decreto “ratifica e amplia as decisões anteriores contra as estatais e os trabalhadores, reduzindo ainda mais as possibilidades de efetiva negociação por parte do senhor ministro do Trabalho”. O documento lembrava também que as declarações de Murillo Macedo aos jornais daquele dia evidenciavam a retirada da importância que os sindicalistas atribuíam ao encontro. 


 


Num lance de marketing, o ministro do Trabalho zanzou com sua comitiva pela cidade até chegar à Fundação dos Empregados no Comércio do Estado de São Paulo, no bairro da Liberdade, onde se encontrou com dirigentes sindicais aliados do governo federal. (Murilo Macedo mantinha dois gabinetes em São Paulo — um na Rua Martins Fontes, onde funciona a DRT, e outro na Federação do Comércio.) Lá ele recebeu a garantia do presidente da Federação dos Empregados do Comércio, Antônio Pereira Magaldi, de que aquela categoria não participaria da greve.


 


O picolé pé-de-moleque de Tuma


 


O presidente da República em exercício, o vice Aureliano Chaves, também entrou na mobilização. Ele negociou com os donos de jornais, rádios e TVs o esvaziamento do noticiário sobre a greve e a aparição de personalidades que pregavam contra a paralisação. Em São Paulo, Aureliano Chaves mobilizou o comandante do 2° Exército, general Sérgio de Ari Pires, e o delegado da Polícia Federal, Romeu Tuma. Ambos reuniram-se com o governador Montoro para, segundo o general, “sintonizar os rádios para operarmos numa mesma freqüência”. Isso incluía a entrada daquela unidade do Exército em estado de prontidão e o contato permanente com o secretário de Segurança Pública, Manoel Pedro Pimentel.


 


Logo após a solenidade do aniversário da “Revolução Constitucionalista de 32”, no dia 9 de julho, Tuma encontrou-se com o general Pires. Na saída, o delegado comentou: “Estou chupando um picolé pé-de-moleque, mas pensando no Jair Meneguelli.” (O então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema respondia a inquérito por supostamente ter ofendido o presidente Figueiredo em um discurso.) “O que eu estranho é que metalúrgicos façam greve de solidariedade a uma categoria (os petroleiros) de altos salários e com estabilidade no emprego”, emendou Tuma. Para ele, a intervenção nos sindicatos não era antidemocrática, “pois foi efetuada dentro da ordem jurídica.”


 


O maior desafio ao regime de 1964


 


Mesmo sob essas ameaças, os dirigentes sindicais trabalhavam freneticamente para dar os últimos retoques nos preparativos da greve. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo distribuiu um milhão de panfletos convocando a paralisação. A Comissão Pró-CUT do Estado de São Paulo anunciou a distribuição de 1,2 milhão de comunicados orientando os trabalhadores. Um comando-geral da greve dirigia os preparativos por meio de uma central de informações instalada na Câmara Municipal de São Paulo. Outra comissão de dirigentes sindicais visitou a Assembléia legislativa. 


 


Com toda essa mobilização, o dia 21 de julho de 1983 amanheceu com cerca de 3 milhões de trabalhadores de importantes categorias em vários Estados parados. As pressões e a feroz repressão desencadeada contra as direções dos sindicatos que lideraram a greve foram intensas. Só na Grande São Paulo, houve mais de 800 prisões. Mas o saldo da greve geral foi considerado amplamente positivo. O dia 21 de julho de 1983 ficou assinalado na história como a data em que os trabalhadores protagonizaram o maior desafio ao regime de 1964. Logo em seguida, nasceu a Central Única dos Trabalhadores (CUT) — assunto da próxima coluna.


 


Leia também:


 


CUT-25 anos: o batismo de fogo de Lula
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=19761


CUT-25 anos: agudo conflito de classes
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=19609


CUT: das raízes aos frutos
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=19506


 


 


 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor