Temer treme mas não cai

É isso, caros amantes do esporte: o resultado da última peleja entre o Clube Desportivo Tiradentes e o Silvério dos Reis Football Club é: Temer, apesar dos sobejos indícios, das gravações, das fotos, da carne fraca, ficou.

Que lições tirar, para além da ira justa contra as más práticas políticas de uma elite sem escrúpulos e do júbilo com a coragem e firmeza da oposição, em especial, da bancada comunista e seus mais diretos aliados?

Vamos aos números:

Temer, o Mínimo, o Usurpador, o Golpista, etc, etc, somados votos, abstenções e ausências (lembremos que tudo isso o favorecia), amealhou 286… digamos… 'apoiados' – 263 diretos, expressos em votos e algumas declarações… como dizer?… tatuadas, e 23 indiretos (duas abstenções e vinte e uma ausências).

Contra o relatório do tucano Abi Ackel, foram 227 votos. Numa leitura, expurgadas ausências e abstenções, seria uma diferença de apenas 36 votos a favor do Vampiro do Planalto Central. Contando os apoios indiretos, voluntários ou não, a diferença subiria para 59 votos. Seria quase uma bancada do PMDB de vantagem. O partido do Mordomo de Mansão Assombrada tem 63 deputados.

Num colégio eleitoral de 513 votantes, e na conjuntura em que se encontra o desgoverno do Entreguista, 36 ou 59 é de preocupar, mas foi o suficiente para se manter e mexer no jogo.
Avultam o comportamento das bancadas do PSB, pelo lado da oposição, e do PSDB, pela base.

O partido do saudoso Arraes, que vem buscando, graças aos céus e alguns de seus líderes, se reencontrar com suas origens e propósitos primevos, registrou no painel, de um universo de 35 representantes, uma maioria de 20 parlamentares a dizer não a Temer, e significativos 15, inclusa aí sua líder, ou votando sim, ou se ausentando.

Coube aos tucanos o espetáculo grotesco, misto de deslealdade, vacilação e bate-cabeça: o líder comanda voto contra o relatório de seu correligionário; ele mesmo, líder, mais 20 deputados de uma bancada de 47, votam 'não', enquanto outros 26 vão com o governo. Indubitável racha, a revelar, não somente a natureza e o caráter do partido de FHC, Alckmin e Serra, mas também uma mexida plena de conseqüências na base.

O DEM teve apenas 6 defecções em 31 parlamentares. O PR, em 40, nove. O PSD registra uma debandada considerável: numa bancada de 38, houve catorze votos contra a orientação do partido pelo sim. PV, Solidariedade e o PSC do líder de Temer na Câmara, o sergipano André Moura (pobre de meu Sergipe del Rey!…), proporcionalmente, votaram tão rachados quanto os tucanos. Mas, justiça seja feita, quase todos os partidos da base, à exceção dos pequenos PEN e PSL, foram vítimas de traições, em maior ou menor percentual. O PTdoB, com dois deputados, rachou literalmente ao meio.

Tirando o PSB, que viu um número significativo de seus votos dados para a situação, e o voto pelo sim dado pelo deputado Roberto Góes, do PDT do Amapá, a oposição marchou coerente e impressionantemente unida: PT, PCdoB, Psol, Rede votaram unanimemente pelo não. Mesmo o PDT do também saudoso Leonel Brizola pode ser computado na soma: afinal, foi um voto dissidente numa bancada de 18 deputados.

– Ô, senhor articulista, dá pra parar esse desfile de números? Chega dá zonzeira, sô!

Já parei.

Duas ideias animaram esse festival aritmético: de um lado, investigar o grau de coesão parlamentar da margem de cá e de divisão do campo de lá; de outro, problematizar detalhes do conteúdo político deste noves-fora.

É de se comemorar com samba e feijoada os 227 votos contra Temer e a diferença de votos, preocupante para o Planalto. Esses números revelam passos adiante da oposição e desgaste da base governista. O comportamento do PSDB terá implicações pra lá de importantes. Ao que parece, o DEM é que se torna o verdadeiro fiador de Temer e dos interesses do Capital. Pode-se acusar os partidários da antiga Frente Liberal de tudo, menos de incoerentes e desleais. E isso, em política, independente de coloração doutrinária, faz toda a diferença.

Os tucanos se consideram os mais denodados portadores dos desejos e maquinações do Imperialismo e do Rentismo; encaram-se como defensores da modernidade neoliberal. Mas, convenhamos: portam-se duma maneira um tanto quanto irresponsável; mais parecem filhinhos de papai de cidade grande, tipo Nova Iorque, São Paulo ou Rio de Janeiro, que saem por aí cometendo molecagens com o cartão de crédito do velho, e que, quando a coisa aperta, titubeiam, batem cabeça, molham as calças. Acabam por revelar inocuidade programática, prática hegemonista, inabilidade política, deslealdade e divisão interna.

Não, não: estou falando do PSDB.

Já o DEM é o representante das velhas oligarquias. Nele, ecoam as sesmarias dos donatários das capitanias hereditárias, os alpendres das casas-grandes; por sua boca, falam canaviais, usinas, monoculturas, vastos rebanhos. Em seus discursos e práticas, sobrevivem os conservadores e escravocratas do Brasil Império e os oligarcas da República Velha. Seus expoentes defendem um liberalismo para inglês ver: sabem mais que ninguém que o Estado não tem que ser nem mínimo, nem máximo, nem médio. Estado é para estar a serviço do poder econômico; ser instrumento adequado aos seus interesses como segmento de classe. Capaz que, do lá dentro de si, olhem as modernidades tucanas, cheias de rapapés, responsabilidades fiscais, processos licitatórios e parâmetros curriculares, com o desdém e a soberba de seus avós, velhos coronéis, senhores de baraço e cutelo, montados em seus alazões, taca pendendo do punho.

– Modernage, um fute! – diriam de seus assentos, mais tronos que cadeiras de balanço, em seus solares avarandados.

Toda essa literatice fora de lugar é pra dizer pura e simplesmente o que dizem os números e outros analistas mais competentes do que este que vos enfara: uma luta se lavra nas hostes dominantes. E está muito a propósito a tática da oposição de explorar essa troca de dentadas no seio da matilha golpista, bem como é mais que pertinente o chamado para transformar esse resultado na Câmara em lenha para alimentar as chamas das ruas.

Porque, se de um lado, há maior união das forças populares e democráticas e arestas entre os elementos da base governista, espelho das diferenças existentes entre os variegados componentes das forças golpistas (a Famiglia Marinho e a 'Liga da Justiça', por exemplo, saem contrariados desta contenda), é fato incontornável que Temer venceu a votação na Câmara, ganhou sobrevida, tem a máquina e o velho Centrão redivivo a seu favor, não tem medo de usar os recursos ao seu alcance e sabe manejar, a seu modo, as peças do jogo político que se desenrola.

Como irão se portar os senhores do mercado, do crédito, da mídia e dos latifúndios, verdadeiros donos da bola? E os setores produtivos barrados à porta da cantina onde se regalam os convidados do Império e dos bancos, até onde vão neste préstito que os conduz à própria forca? Vão esperar pra ver o que acontece? Apostarão num governo de faz de conta, enquanto tocam a sinfonia da regressão no Congresso, por intermédio de um parlamentarismo coxo e mal disfarçado, para não dizer absolutamente anticonstitucional e antinacional? Ou todos vão rever suas cartas, as das mãos, das mangas e das meias, e vão recompor com o Morto Vivo, para ver como o barco chega até 2018?

E o campo popular? As lições da recente batalha vão finalmente animar certa agremiação da banda de cá a laborar por uma frente ampla que vá além de seu adjetivo? Ela e seus lulistas vão largar a mão de dizer que só Silva salva, que os brasileiros eram felizes, mas são ingratos, e consolidar uma plataforma capaz de unir o Brasil em defesa da Nação, sua economia, seus trabalhadores, sua gente?

– Tá perguntando muito!

Tá atrás de resposta pronta, bem? Consulta o dicionário. Avisei que o problema era muito.

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