Hegemonismo não rima com Frente Ampla

Sexta que passou, postei em meu perfil no 'facebook' uma crítica ao hegemonismo e seus efeitos deletérios nas relações entre forças políticas que atuam em aliança ou em frente. A postagem refere-se a ato realizado em São Paulo, cuja chamada era "Dia de Mobilização em Defesa da Democracia, do Lula, contra as Reformas".

Lá está escrito:

"Não fui ao ato. Não porque ache que o referido homem não mereça respeito e defesa, mas pela simples razão de que não há como ser convencido de que essa inversão leve, tanto o homem, como o País, a um bom porto. Para esse reles teclador, a defesa do direito de cada brasileiro, por mais ilustre que seja, está dentro da defesa da Nação. Ademais, essa "tática" de confundir o homem com o Brasil tem, na prática, servido aos velhos propósitos hegemonistas da mesma força política que, faz pouco tempo, estando à testa de um projeto mudancista para a República, demonstrou um apetite pantagruélico por posições de mando em detrimento de liderar politicamente a ampla coalizão construída a duras penas". (…) "Hoje, com a deterioração ainda maior da situação nacional, unir o Brasil em torno de um novo projeto de Nação ganhou sentido de urgência, e rejeita, ainda mais veementemente, qualquer tentativa de hegemonismo".

Alguns conhecidos consideraram essa minha abordagem radical demais. Afinal, o cidadão em tela é a maior liderança popular do País e está sofrendo covarde perseguição dos golpistas – perseguição que é emblema do ataque ao povo trabalhador do Brasil. Houve quem me dissesse, repetindo o mantra da agremiação do sujeito, que o homem foi o melhor presidente que o Brasil já teve. E outros ainda, ecoando diferentes manifestações públicas e nas redes sociais, afiançam que não há saída possível sem o homem e seu partido.

É forçoso dizer, em primeiro lugar, o óbvio: aliança, frente unitária, etc., sempre será pautada pela dialética unidade e luta. Aliança política não é o mesmo que casamento, em que fica feio falar mal do cônjuge em público. A articulação de forças em frentes de ação política pressupõe respeito mútuo, construção de consensos e críticas que apontem os problemas e sejam bases para suas soluções. Ademais, cada força em aliança disputa a liderança do processo político sobre o qual a aliança atua. Essa disputa, legítima, deve se dar, no entanto, de forma a não comprometer a aliança e seus propósitos. Na medida em que um dos aliados resolve lançar mão de suprematismos numéricos ou financeiros para impor seus desideratos, há prejuízos para a aliança. Neste caso, cabe a crítica – clara, assertiva, franca.

Não há como negar outra obviedade: o ex-presidente apresenta-se hoje como a maior liderança popular do País e sofre sórdida campanha de caça e aniquilamento – campanha que vem merecendo o justo repúdio de todos os democratas e de toda pessoa minimamente razoável. O que não parece razoável é, com base nisso, capturar e aparelhar ações e articulações amplas, em defesa do Brasil, composto este de interesses de uma gama larga de setores sociais atacados pelas forças golpistas, em favor de uma única força e de um único homem – maneira de criar o fato consumado de que esse homem ou o seu partido sejam a única possibilidade da Nação superar a crise em que foi mergulhada pelo Imperialismo e sua malta.

O Brasil é maior, bem maior do que qualquer suposto super-líder, que qualquer agremiação política. Sua história nos ensina que todas as mudanças efetivas passaram por amplas coalizões de forças sociais – a Independência, a Abolição, a República, a Revolução de 30. Até mesmo as vitórias eleitorais e os êxitos dos governos de Lula e de Dilma efetivaram-se pelo congraçamento de amplas forças políticas, expressões de interesses de segmentos sociais diversificados.
A história também nos demonstra que houve tão bons ou melhores presidentes e ou tão grandes ou maiores lideranças. A conversa começa com José Bonifácio de Andrada e Silva, no século XIX, passa por Luiz Carlos Prestes e Getúlio Vargas, na vigésima centúria, alcança Jango, Francisco Julião, Brizola e Miguel Arraes; Ulisses Guimarães, Teotônio Vilela e Tancredo Neves – figuras que, além de seu forte apelo popular e hombridade, eram donas de grande descortino político e visão estratégica. Todos esses nomes, e outros tantos, foram expressão de seu tempo e o consideraram com enorme generosidade e amplitude – o que lhes conferiu essa capacidade de juntar para muito além de seu quintal, ou do que hoje se costuma chamar de "campo político".

O hegemonismo do partido do ex-presidente foi sobejamente praticado durante os 12 anos em que comandou a República. Causou indesejáveis danos e defecções, tanto no campo popular, como no centrista, da base de sustentação dos três últimos mandatos do Governo Federal. O PSB se retira do governo e, mais tarde, lança Eduardo Campos a presidente, em grande parte por conta deste hegemonismo. Esse hegemonismo fez suas vítima também entre os comunistas, aliados de primeira hora do ex-presidente: no lugar de apoiar a recondução de Aldo Rebelo à Presidência da Câmara, os hegemonistas lançam candidato próprio, que pouco colabora com a pacificação e o bom andamento dos trabalhos da Casa.

Uma fieira longa de exemplos poderia esse pobre articulista desenrolar aqui, mas fica com esses dois, emblemáticos. Ele ocupou posições no Governo Federal, de 2004 a 2014, e foi Subprefeito do Jabaquara, órgão da Prefeitura de São Paulo, de 2015 a 2016. É escolado no assunto. Sabe, por testemunho, como o hegemonismo se tornou uma das razões que levaram à desunião e ao isolamento do campo popular, ao enfraquecimento político do projeto mudancista e à sua derrota por meio de um golpe.

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