A Cabana Pousada – Capítulo 2

A cabana dominava o mar de dunas. Amanheceu como que pousada no deserto de areia que se estendia para além dos limites da vila. Quem primeiro a viu foi um menino, ajudante de Tio Bugue, sujeito que alugava, nas temporadas de turistas, veículos para passeios radicais.

Apesar de pousada em chão movediço, a cabana erigia-se, sólida, como que assentada sobre alicerces. Era um quadrado baixo, de madeira escura, maciça, encimada por um telhado de palha seca. Não se via alpendre. As janelas e a única porta, cerradas, davam direto para a areia.

O menino correu avisar seu patrão. Tio Bugue era um maciste vermelho e atarracado, de temperamento cambiante, grande solucionador de contendas e mistérios. O homem circundou a morada até ali desconhecida. Bateu à porta. Gritou um ô de casa. Ninguém respondeu.

Espalhando-se na vila, a notícia mobilizou todos os que podiam andar. Um anel de gente e perguntas cercou a casa. Um ou outro ousado chegou-se às janelas. Jovens forçaram a maçaneta. A cabana os confrontava, impassível, dona inteira de seus guardados.

Marina foi a última a encostar. Como todos e cada um, considerava estranho aquela edificação, baixa e robusta, trancada no meio do nada, que não afundava duna adentro, apesar do peso que aparentava, e, espanto dos espantos, surgida ali da noite para o dia.

– Como é que isso apareceu aí, Ti' Bugue? – perguntou Emerenciana, proprietária da única bodega da vila, uma tasca de pau-a-pique à beira-mar.

– E lá sei eu, dona!? – ripostou o bugueiro – Apareceu aí, de repente.

– Vai me dizer que cê não viu ninguém levantando a casa? – insistiu a vendeira.

– Tô falando, gente: ontem mesmo, sol baixando, passei aqui neste mesmo lugar, e não tinha barraco nenhum.

– Eu, hein! T'esconjuro…

– Vai ver, um caminhão trouxe. – especulava Dão, pescador moço.

– Caminhão, aqui?! – duvidava Nélia, sua esposa, sempre disposta a contraditá-lo – Um caminhão, com uma casa destas no lombo, atolava nessa areia toda. Acho que nem conseguia chegar nessa duna. Repare como é alta. O bicho virava!

– Isso é verdade. – concordou Tio Bugue – Pra botar essa cabana aqui, só se fosse de helicóptero.
Um buchicho correu a assistência. Ninguém ouvira helicóptero nenhum. Mas, e se foi na madrugada, todo mundo dormindo? Ora, logo se vê que a casa é pesada, e, um helicóptero que a agüentasse, tinha que ser um bem grande e barulhento. Quem não havia de acordar com o ronco do bicho? Vai que trouxeram o material e levantaram a cabana no sono de todos? Mas olhe e veja: o barraco é rijo! Como se monta isso numa madrugada, e ainda em riba da areia?

– Bom, uma hora o dono disso aparece e se explica – foi decretando Tio Bugue – Bóra voltar todo mundo pro seu que fazer.

O círculo foi se desmanchando – primeiro em elipse, depois em parábola, para, no fim, somente Marina restar diante da cabana. Meditava. Não tinha vocação para cassandra, mas aquele cubo de madeira e palha parecia lhe dizer algo, algo muito importante. Era como um… um… dialeto – que só à força de muito ouvir ela seria capaz de entender.

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