É o digital, mané

Por mais que se comente sobre a tal crise da leitura, ou, para alguns, a do consumo de livros, parece que há mais do que situações pontuais de mercado do que querem nos fazem crer. Um algo para além dos os números e das perspectivas e possibilidades do livro e da leitura.

No Brasil, em particular, temos esta instabilidade política fruto de um golpe de estado à socapa da maioria da população que exerceu, democraticamente seu voto e deu maioria ao governo deposto. A ausência de um ministro da cultura, para ficarmos num humilde exemplo do descalabro, após mais de ano, ainda não tem qualquer perspectiva de ser resolvida com um nome competente.

Nossa economia periférica, porém, é talvez o principal sintoma desse quadro de crise, aonde a cultura estrangeira, nem sempre de boa qualidade, é a da preferência das maiores empresas responsáveis pelo consumo – falo também do cinema e da música – e que domina majoritariamente os pontos de venda, bem como o volume de verbas de propaganda e “jabás”. O que explica afinal porque tanto jornal e revista privilegia obras importadas em seus elogios e indicações, quando temos coisa muita escrita e produzida de qualidade por brasileiros (a história contada pelo Maurício de Souza, criador da Turma da Mônica, em biografia recém lançada, é paradigmática nesse sentido).

O quadro, porém, é antigo, e o novo é que vem sendo o fiel na balança. O universo da leitura e da escrita digital, acompanhados dos gigantes como Amazon, Google, Microsoft e Facebook, para ficarmos com os mais conhecidos e ainda relevantes, adentrou com fúria na popularização da parafernália eletrônica.

E esse digital, elevado à última fronteira da dita revolução tecnológica, é que vem condicionando a leitura e a produção escrita no Brasil, e possivelmente ao redor do mundo.

E é na leitura e na escrita que encontramos as novas formas de consumo de livros, ou melhor, os formatos de leitura e da relação com o conteúdo escrito do cidadão contemporâneo. E aqui, visto às constantes inovações em aplicativos e jogos eletrônicos, fica mais do que nítida a disputa do olhar e a disputa pelo tempo de entretenimento e estudo.

Não é difícil perceber, como telespectador, por exemplo, como somos sugados para as ofertas de diversão televisionada. Além de sinais a cabo, e que não são poucos, temos os sinais pela internet e a própria internet a nos oferecer o impensável e a cada dia mais barato e fértil. E talvez esse impensável seja o verdadeiro responsável por erros cada vez maiores em concepções sociais e políticas – vide o fascismo que retoma sua força, e também pela perpetuação de inverdades sobre mundo fora de nossas casas. Uma mentira, hoje, nunca teve tanta facilidade de se ver ampliada, a destruir vidas, e pior, em justificar a eliminação de povos, como na Síria e Palestina, ou de permitir que eminentes mafiosos assumam o poder num país importante como o nosso.

A boa nota, e é boa sim, é que o leitor, na sua maioria sempre aberto a experiências, não se tornou ainda nas tais massas amorfas e opacas como alguns pós-modernos dos anos 1980 tanto insistiram nos fazer crer. E enquanto persistir discordância, livros em papel e criança com livros na mão, o mundo ainda terá saídas – apesar dos golpes e das mentiras.

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