Ary Barroso, a UDN e os paneleiros amarelos

Ontem, meio que ao acaso, ouvi “Camisa amarela”, clássico de 1939 do carioca da gema nascido em Ubá, Minas Gerais, Ary Barroso. Fiquei a lembrar do Ary, um mineiro que se fez carioca (e brasileiro acima de tudo), flamenguista e udenista.

Ary foi um compositor genial, inegavelmente, a despeito das suas posições políticas conservadoras e dos momentos em que, como apresentador de programas de calouros, descambou para o elitismo e o preconceito. Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Elza Soares, dentre tantos, foram vítimas do mau humor preconceituoso de Ary.

Mas Ary sabia ser grande, e o que ficou para a história, felizmente, foi a qualidade da sua música, seu amor pelo Brasil, pelo futebol, pelo Flamengo (virtude maior) e pelo carnaval.

Seu posicionamento político não o impediu, por exemplo, de aliar-se à bancada de 18 vereadores do Partido Comunista do Brasil na Câmara de Vereadores do então Distrito Federal, para defender a construção do Maracanã, contrariando Carlos Lacerda, expoente maior do seu partido.

Mas voltando à camisa amarela da música, lembrei dos paneleiros vestidos com a camisa da CBF, esse setor da classe média brasileira afogado em ódio, mergulhado na ilusão de que pertence à cobertura do prédio, enquanto, açulados pela matilha da direita, fazia selfies com a PM, levava a babá para cuidar dos filhos nas manifestações contra Dilma, e posava sorridente fazendo coraçõezinhos com as mãos, defendendo a família brasileira e portando cartazes lamentando que “não mataram todos”.

Essa turminha modernosa de camisa amarela tinha como ídolo Aécio Neves, que em comum com Ary Barroso tem o fato de ter nascido em Minas Gerais e morar no Rio de Janeiro. E paremos por aí, que Ary não merece que prossigamos.

Essa turminha de camisa amarela alimentou a ilusão de ver o seu herói de olhos arregalados ocupando a cadeira de Presidente da República. Talvez a mesma ilusão de Ary quando escreveu os versos “Quem é que vai recuperar esse país?/quem é que vai fazer o povo mais feliz?”, para a campanha de Jânio Quadros em 1960. Os “amarelos” de então talvez tenham se decepcionado menos com Jânio do que os de hoje, que ainda andam ávidos por quem “recupere esse país”, agora que Cunha está preso, Aécio pós-preso e Temer… Bom, Temer é um cadáver insepulto que assombra a nação.

Certo mesmo é que o povo brasileiro está pagando o pato, um gigante pato amarelo, indigesto e duro na panela cada vez mais vazia. Panela que o povo conhece como utensílio de cozinha, e que o setor da classe média descobriu apenas como instrumento de barulho, mas que rapidamente recolheu ao silêncio quando os seus heróis começaram a ir em cana e o cinto começou a apertar também para o seu lado.

Na música de Ary, passada a brincadeira, o personagem acorda mal-humorado, zonzo da bebedeira, pedindo apenas um copo d’água com bicarbonato, a ver se cura assim a sua ressaca.

No Brasil de hoje, os efeitos da ressaca da micareta amarela ao som do Hino Brasileiro são a iminente aprovação de uma reforma trabalhista e uma reforma previdenciária perversas, capazes de secar mais ainda as panelas do povo e de empurrar a classe média para baixo, para longe da cobertura com a qual ela sonha.

Na música de Ary, arrependido, o personagem “pegou a camisa, a camisa amarela, botou fogo nela”. No Brasil de hoje, ainda que os paneleiros arrependidos queimem as suas camisas amarelas o estrago foi feito.

E o pato, mais uma vez, segue sendo pago pelo povo.

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