O amor é só quem esperamos ou a ética da solidão

Para Angelina

Tenho uma bigodeira e os olhos cansados. Os óculos, esfumaçados, turvam o horizonte oceânico.

Já não tenho vinte e poucos anos, nem tampouco o desânimo fez morada em meio aos dias solitários onde sou o ouvinte e falo aos botões, pequenos fragmentos de mar que rompe na praia.

Vou pela onda de espumas que se debruça sobre a tarde vencida. Os morros, sempre verdes, revelam o cabelo e o torso de uma mulher, assim me diz um novo amigo, um intelectual jovem, solidário e elástico com as palavras.

Já dormi e acordei tantas vezes, fumei os cigarros da insônia, sonhei escavando a mulher amada, interessado apenas em sua beleza mineral. A beleza é como a saudade e ambas exigem um poeta honesto.

O amor é só quem esperamos. Um lugar geral dos afetos e do erotismo, uma teia que envolve percepção e pensamento, uma pedra bruta dos afagos, o diálogo tão mais sincero quanto à aurora do corpo, em suores febris.

Cansei de tentar compreender Tereza, mesmo quando ela entreolha-se num espelho, recortando o arbítrio do amante. Kundera ri de minha aflição.

Vou para outros livros, quero romances, ficção, política, drama e um anedotário para que possa, finalmente, rir de mim mesmo sem que isso pareça afronta ou loucura.

Num hálito forte de sexo e costume transpiro nu em pequenos quartos de hotéis com luminárias foscas de uso e entranhas. Sigo para longe de casa como um soldado que enfrenta o medo e as baionetas, mas que sabe o valor de um fuzil entre os dedos da esperança tardia.

Na diminuta cama não cabem alucinações e é preciso andar, andar mais, andar sempre, andar até os pés escapulirem pela cidade vazia.

Às vezes os pés tem vontade própria, deixemos, então, conspirarem a liberdade fugidia.

Estou sozinho, mas nunca estou sozinho. Para quem sempre se houve ancho de histórias, todas estão acesas como faróis em noites de náufragos. Lembro-me de cada uma, cada vivaz estória, estão num corolário, são acústicas, sentem sede e fome, se contorcem e depois esquecem, sofrem e depois voltam a tocar as estrelas molhadas do discurso.

A mais antiga informação que tenho sobre mim mesmo é que nasci numa prisão política e que sou filho de comunistas.

Isso já haveria de me tornar um rebelde, fosse apenas o nascimento, mas a covardia e a pistolagem, o latifúndio e as oligarquias me fizeram um radical, disposto, inclusive, em encharcar os céus com gasolina apenas para ver incendiarem-se as amarras ideológicas de mais de quinhentos anos. Só assim meu pai estará livre, como um pássaro sonoro da paz.

Como num poema de Lorca, guardei as melhores canções para o outono. Tiro-as deste bornal e beijo-as como quem beija o rosto da mãe, pequena e tão mais corajosa que os brutamontes da tortura e da morte em toda infância.

A ancestralidade nasce da terra, como o vinho, o azeite e o pão. Os livros também nascem da terra, como a verdade, a justiça e a humanidade.

Mas não há sinais de gaivotas, apenas a razão iluminista impressiona madrugada adentro. As retinas, míopes, ensaiam essa imaginação, a única posse que tenho, salário e linguagem, estética e vertigem.

Sim, eu sei, já é tarde e devo dormir. É tarde demais pra tudo, menos para o amor que brotará das ancas da manhã.

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