A centralidade da política e a urgência da formação
A política foi a forma que a civilização encontrou para mediar e resolver, de forma pacífica e democrática, os conflitos que os indivíduos, na sociedade, não podem nem devem resolver diretamente com fundamento na força, sob pena de retorno da barbárie.
Publicado 04/07/2017 09:12
No capitalismo, segundo costumava dizer Delfim Neto, há uma perfeita harmonia entre a política e o mercado, com um combatendo e corrigindo os excessos do outro, num sistema de controle recíproco. Nessa idealização, o pressuposto para o equilíbrio é a independência ou a ausência de qualquer subordinação de um em relação ao outro.
Entretanto, em entrevista recente (Folha de S. Paulo de 03/07/17), o mesmo Delfim Neto, frente às revelações das delações da Lava Jato e da JBS, reconhece que a política foi capturada pelo mercado e afirma que o Brasil deixou o poder econômico controlar a política. Nas palavras dele “o setor privado anulou a única força que controla o capitalismo, que é o Congresso. Não é simplesmente que o Estado e o setor privado tenham feito um incesto, produzindo um mostrengo. Ele eliminou o único instrumento de educação do capitalismo”. A Teoria da Captura, desenvolvida no começo dos anos 1970 por George Stigler, mostra que, no capitalismo, as empresas buscam maximizar vantagens, e o Estado a elas se submete por meio da chamada “captura” de seus agentes pelos interesses do mercado.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por sua vez, em artigo no jornal O Globo de 5/2/16, afirmou textualmente que “adotar políticas que favoreçam mais o capital do que o trabalho, ou vice-versa, depende da orientação política do governo”. Com isso deixou absolutamente claro que a diretriz governamental é determinante para definir a quem as políticas públicas irão favorecer. Um governo que não tenha que prestar contas à sociedade é, por definição, muito mais sensível aos interesses do capital e das oligarquias, como estamos vendo atualmente.
No Brasil, as forças do campo democrático e popular, tanto na Constituinte quanto no período em que estiveram no governo, priorizaram as políticas sociais e os direitos individuais e coletivos, mas negligenciaram reformas estruturais no sentido da determinação das regras do jogo, como a reforma política e do sistema representativo, abrindo mão de operar as transformações na formação do poder. Essa opção é reveladora de um estado de coisas que é, ao fim, refratário a mudanças que afetem a distribuição do poder na sociedade.
As políticas sociais e os direitos, mesmo havendo na Constituição o princípio da vedação do retrocesso social, estão sujeitos a redução ou supressão, como tem acontecido neste ano de desmonte do governo Temer, com o poder econômico induzindo as políticas públicas e substituindo a soberania popular. O fato de, até hoje, o STF não haver cumprido o seu papel e reconhecido a validade daquele princípio, é apenas mais uma faceta dessa concertação de interesses pró-capital.
De fato, o setor privado não apenas se apropriou da agenda governamental, como também dos instrumentos de poder político, colocando os poderes e o orçamento do Estado muito mais a serviço da garantia de propriedade, de contratos e de compromissos com os credores do que para combater desequilíbrios e desigualdades regionais e de renda, interrompendo uma trajetória de inclusão e ascensão social no Brasil.
Nesse cenário, ou a sociedade se informa, ganha consciência cívica e política e age para alterar essa realidade, ou, além de comprometer a paz social, assistiremos ao desmonte do estado de proteção social, a consolidação da captura do Estado e do governo pelo mercado e a entrega de nossas riquezas ao capital estrangeiro. As tímidas conquistas obtidas desde 1988 poderão ser consumidas pelas políticas de ajuste fiscal e pelo neoliberalismo renascido que coloca o mercado acima de tudo.
Esse processo de formação e conscientização política e cívica passa pelo envolvimento de instituições e organizações da sociedade, como os sindicatos, os partidos, as igrejas e suas pastorais de base, as escolas, a imprensa e todos que desejam um País mais justo e menos violento e desigual. Ou resgatamos o papel da política e do Estado no combate às desigualdades, na proteção dos mais fracos e na manutenção da paz social, com inclusão e perspectiva de ascensão social, ou seremos vítimas do maior retrocesso civilizatório da história brasileira.
A formação teórica exige ferramentas adequadas para se compreender a realidade e saber como transformá-la, como bem diz Frei Beto no texto “Formação de Militantes”.
Para contribuir com esse esforço de formação e conscientização, recomendamos a leitura de algumas cartilhas de nossa autoria, que, didaticamente, trazem uma visão ampla das instituições do Estado e do processo decisório. São elas, entre outras disponíveis no portal www.diap.org.br: “Noções de Política e Cidadania no Brasil”, “Para que serve e o que faz o movimento sindical”, “Reforma Política e Regime Representativo”, “Relações Institucionais e Governamentais: o que é, como e onde se faz”, “Análise de conjuntura: como e porque fazê-la” e “Políticas Públicas e Ciclo Orçamentário”.
É preciso, desde logo, retomarmos esse processo de formação e conscientização política e cívica para invertermos essa tendência regressista já a partir de 2018, com a eleição de bancadas comprometidas com os interesses da maioria. Só com um grande esforço de informação e formação podemos contribuir para evitar retrocessos e para aperfeiçoar o processo civilizatório e aprofundar as conquistas da humanidade, mediante a organização das pessoas.
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