O Judiciário & Louis Pasteur

Aos que, compreensivamente, estão confusos com tão inusitada associação, eu já explico. Uma frase atribuída ao sábio francês Louis Pasteur asseverava que “a ciência não tem pátria, mas o cientista sim”. Assim como a justiça, que pode até ser “cega”, mas tem conteúdo de classe.

Com base nesse pressuposto ele não nutria ilusão com a dita imparcialidade da ciência. De igual forma, qualquer pessoa que conheça minimamente teoria de estado jamais poderá ter ilusão com o judiciário, legislativo e o executivo, que constituem a estrutura do estado burguês e, portanto, nada mais são do que instrumentos de dominação da classe dominante.

A postura do judiciário em relação a Aecio Neves e Rodrigo Loures não deixa dúvidas quanto a essa assertiva, especialmente se confrontarmos a postura excessivamente rigorosa do mesmo judiciário em relação a personagens acusados de crimes de muito menor potencial deletério.

Aecio Neves, senador e presidente Nacional do PSDB, foi flagrado tramando abertamente para obstruir a justiça, pedindo 2 milhões de reais em propina de um empresário e anunciando que era preciso trocar o ministro da justiça “por alguém que não fosse um banana” e tivesse pulso para controlar às investigações contra eles. Era para parar no PT.

Tudo isso foi documentado e provado, tanto pela devolução do dinheiro quanto pela troca do ministro. Não se trata de meras delações, cuja confiabilidade, convenhamos, é tão frágil quanto uma confissão arrancada no “pau-de-arara”, o nefasto instrumento de tortura usado pela ditadura contra aqueles a quem ela, aleatoriamente, acusava de “subversão”. Ali, também, a acusação era baseada em critérios tão aleatórios e subjetivos quanto os atualmente utilizados por alguns “operadores do direito”.

Aecio está “leve e solto”, como se diz no dito popular. Por 10% do que ele fez vários estão presos e outros perderam o mandato, como o então senador Delcidio do Amaral, tucano de origem que imaginou ser esperto ao se bandear para o PT.

Rodrigo Loures, assessor especial do “presidente” Michel Temer, foi filmado pela própria polícia federal recebendo 500 mil reais, correspondente a 1ª parcela de uma propina estratosférica de quase meio bilhão de reais – 2 milhões por mês durante 20 anos – que, segundo o MPF sustenta, havia sido acertada diretamente com o próprio Temer. Devolveu o dinheiro, o que deixa evidente que a propina existiu. Assim como Aecio está “leve e solto”.

Certamente tem razão os que argumentam que não é possível prender e muito menos se condenar alguém baseado em mera delação, sem qualquer prova material. Tecnicamente é verdade, pelo menos isso é o que preconiza a carta magna do país. Mas o juiz Sérgio Moro prendeu previamente e posteriormente condenou o tesoureiro do PT a 15 anos de cadeia baseado apenas em delação, a qual, posteriormente, foi anulada pelo Tribunal Superior, numa evidência do exagero da sentença.

Infelizmente, o fato de que num ou noutro caso a lei se fez cumprir, o estado de direito foi respeitado, não significa que a normalidade voltou a imperar. As regras continuarão a ser aplicadas à luz de interpretações heterodoxas, dos interesses da classe dominante.

E o fato concreto é que a política de “dois pesos e duas medidas” está escancarada. O caráter de classe do estado está evidente e faz com que, como nunca, a máxima de que a lei só alcança os pobres e os adversários políticos se torne uma verdade inquestionável.

Sem o mínimo de respeito às regras do contrato social pactuado, a sociedade retornará ao “estado natural” e, não raro, terá que recorrer aos “bandidos sociais” – tipo Lampião – a que se refere Eric Hobsbawn, para fazer valer seus direitos e interesses.

Estamos no limiar da explosão. A ruptura completa depende de detalhes. A experiência histórica, todavia, ensina que é difícil prevê o momento exato da faísca que provocará a explosão. Mas o cenário está posto.

Se expressa, dentre outras medidas, pela cristalização da política de “dois pesos e duas medidas”; pelo excessivo gasto de recursos orçamentários destinados exclusivamente à compra de apoio político para manter Temer no cargo; e por uma agenda antinacional e antipovo. E como contrapartida a população é premiada com 14 milhões de desempregados, arrocho salarial, extinção e cortes em programas tipo bolsa família e supressão de direitos trabalhistas e previdenciários.

Aglutinar forças para depor Temer e derrotar as medidas antipovo, especialmente as reformas trabalhista e previdenciária, é a questão central do momento. Juntar todos que estão de acordo com esse objetivo, independentemente de suas motivações, é a pauta da ordem do dia!

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