A Cabana Pousada – Capítulo 1
Marina começou cedo a dança de sua vida. Reparou, ainda moça, que não valia a pena o contato com o que pouco importa, ou com os alguéns que não contam. Marina decidiu, nos primórdios de si, navegar sendo senhora de sua nau.
Publicado 30/06/2017 11:48
Daí ninguém estranhar sua mudança para uma cidade tão além, e tão diminuta, e tão à margem do país – uma vila litorânea do extremo sul.
A vila não comportava mais do que cinco centenas de habitantes, a maioria, pescadores. Escola, mercado, posto de saúde – tudo, enfim, só na cidade vizinha. A vila, na verdade, não passava de um subdistrito de um distrito de município, do qual era sede a cidade vizinha.
No inverno, seus homens lançavam-se ao mar em demanda de peixes com que fazer renda e alimentar muitas bocas. No verão, todos – de alguma forma, parentes -amontoavam-se em algumas dúzias de choupanas, enquanto veranistas ocupavam suas moradas, alugadas por temporada.
Marina chegou marinheira. Instalou-se no que era seu por herança de um tio, pescador de profissão. A casota era quarto e sala; cozinha e banheiro, do lado de fora; tudo equipado e mobiliado. O seu bonito era uma varanda, cadeira de balanço dando de cara pro mar. A cadeira rangia em seus encaixes, o que aprofundava a beleza de tudo.
A nova dona viveria, de início, do que juntara até ali. Depois, de doces e outros expedientes. Aos trinta anos, gastara pouco consigo e com o mundo. Adorava livros, mas ia buscá-los às bibliotecas. Vestia-se com simplicidade, e sua maquiagem resumia-se a um batom. Sua beleza era ser. Seu dote: extrair sabores do forno e do fogão.
O primeiro dia, dedicou a espantar aranhas e atender à curiosidade alheia. Noite caída, fez espargir vila afora o aroma de um bolo. Mais de um jovem pescador deitou contas à vida e imaginou tarrafas de pescar sereia. Senhoras e senhorinhas urdiam prognósticos. Nenhum dos mais velhos, no entanto, supunha o que poderiam as coincidências produzir.
Marina deitou com a lua derramando mercúrio no mar parado. Marolas ninavam a praia no desassossego dos caranguejos. Conciliar o sono não foi difícil. Bastaram dois leves sopros de aragem, ela já se encontrava num sonho. Nem ele, nem o céu, registraram presságios. O que viria, viria sem anúncios ou mensagens cifradas.
Nota do autor: Iniciamos aqui uma novela, cujos capítulos serão publicados sexta sim, sexta não, alternando com os artigos com que vimos castigando o paciente leitor e a generosa leitora. Intentamos chegar a bom termo, mesmo não sabendo onde isso vai dar. Não passa de um convite ao desconhecido – objeto da invenção. Esperamos que aceitem.