“Tribunal” da ONU fere soberania libanesa

Na política internacional há os que acham que com algumas vitórias da esquerda em alguns países, especialmente na América Latina, a onda conservadora e neoliberal já está entrando em declínio. Vejam o caso do Tribunal Libanês recém forma

O “tribunal” da ONU


 


 


Todos acompanharam os desdobramentos do assassinato do ex-primeiro ministro do Líbano, Hafic Hariri, ocorrido no início de 2005, que vitimou outras 22 pessoas. O país se dividiu completamente, aprofundando uma divisão que já vem desde a guerra civil que dominou a política libanesa por 15 longos anos (1975-1990). Os imperialistas norte-americanos e seus aliados no mundo árabe apontaram seu dedo em risco de imediato para o governo da Síria, antigo aliado do povo libanês na luta de resistência tanto à Israel como aos americanos na sua sanha dominadora do Oriente Médio como um todo.


 


 


De pronto, políticos libaneses, especialmente os de direita (cristãos maronitas e alguns sunitas), afirmaram que o assassinato havia sido feito a mando de Bashar El Assad, presidente da Síria, que tinha interesses na política libanesa. Mas, conforme comentamos nesta coluna à época, o governo da Síria era o agente político que tinha o menor interesse de cometer um assassinato dessa natureza, até porque sabia que todos se voltariam contra esse país. Nunca é demais, nestes casos, suspeitar de envolvimento da própria CIA e do serviço de inteligência de Israel, o Mossad.


 


 


A partir desse episódio, vieram as eleições legislativas para o parlamento unicameral, onde se sagrou vitoriosa uma coligação de direita, apoiada pelos Estados Unidos e com simpatia de Israel. O filho de Hariri, Saad Hariri, é um dos líderes dessa coalizão, que dá sustentação ao primeiro Ministro Fouad Siniora, considerado conservador no cenário político libanês e apoiado pelos EUA. Siniora acabou formando o governo de maioria, mas teve que aceitar sete, entre 27 ministros ao todo, do grupo xiita do Partido Hezbolláh, que cresceu exponencialmente a sua influência política no país após a saída das tropas sírias, estacionadas no país fazia mais de 30 anos.


 


 


Nesse processo todo, uma comissão foi formada por funcionários do governo libanês e alguns indicados pela ONU. Também nesse aspecto e por essa comissão, o dedo acusatório, mais uma vez, foi apontado para a Síria. Relatório foi produzido, escrito por um promotor de origem alemã, indicado pelas Nações Unidas. O clima foi piorando e o país, completamente dividido ao meio, especialmente após a guerra de agressão que Israel moveu contra o Líbano em julho e agosto do ano passado, de tal forma que o assunto acabou sendo discutido, por pressão americana, junto ao Conselho de Segurança da ONU.


 


 


No último dia 30 de maio o CS da ONU, após vários adiamentos e tentativas de se chegar a um acordo, foi finalmente votado a criação de um “tribunal” das Nações Unidas a ser instalado em território libanês e sem controle algum de libaneses. Mas, o que é pior: apoiado pelo sinistro e testa de ferro dos americanos, Fouad Siniora, que apóia abertamente a instalação de uma “corte” dessa natureza, que viola completamente a soberania libanesa.


 


 


A votação no Conselho de Segurança é especial, pois esse órgão da ONU, apesar de ter 15 membros, quem manda mesmo são os cinco que tem poderes de veto de qualquer decisão, resolução, moção etc. Um dispositivo pode angariar 14 votos favoráveis, mas um dos cinco membros com poder de veto, ao dizer “Não” em qualquer votação, ela esta derrotada de pronto. Assim é que funciona e pessoalmente acho difícil que isso se altere (pode até ocorrer a ampliação dos países com poder de veto, mas esse mecanismo deve prevalecer; mas esse é um assunto para outro momento). A votação da proposta da criação do Tribunal ocorreu por 10 votos a favor e cinco abstenções. Dois países, que se declararam contrários à instalação do Tribunal e que tem poder de veto, como a China e a Rússia, acabaram se abstendo de votar, mas declinaram de usar seu poder de veto.


 


 


Devemos extrair lições desse episódio. Ele é o retrato mais fiel das dificuldades de adotarmos iniciativas, de sairmos na dianteira, de enfrentarmos mais diretamente o imperialismo e seus aliados no mundo inteiro. É um exemplo típico da correlação de forças desigual que vivemos no mundo hoje, ainda dominado pelos Estados Unidos e nenhum país em condições de enfrentá-los mais diretamente. O governo libanês, com toda a sua prepotência e arrogância tentou de todas as formas instalar esse tribunal no Líbano por iniciativa própria, mas sem nenhum sucesso, pois é um governo impopular e que sofre forte resistência da oposição (composta pelos xiitas do Hezbolláh, pelo Partido Amal, pelos cristãos do general Michel Aoun e pelos membros do Partido Comunista Libanês).


 


 


A decisão da ONU foi, claro, comemorada por Saad Hariri e seus aliados da extrema direita. O governo de Siniora festejou também. Incrível que um primeiro Ministro festeje a violação completa de sua soberania, da soberania de seu país. Do lado oposto, temos o presidente do país, que quase não tem poder algum, Emile Lahoud, xiita e do cristão presidente do parlamento, Nabi Berri, que também se opõe ao governo de Siniora, que criticaram a decisão da ONU.


 


 


A Resolução deu prazo de até 10 de junho para que o Líbano instale o “Tribunal”, completados no último domingo. Como o país não referendou a aprovação do “Tribunal”, a partir da segunda passada a ONU tratou de instalá-lo, completamente à revelia do país. Serão três juízes, dois estrangeiros e apenas um libanês e ainda assim, contra a Síria. Fazer previsões não é de meu feitio, pois erros podem acontecer, mas não tenho muitas dúvidas que a instalação do “Tribunal” vai levar ainda mais estabilidade do Líbano e gigantescas manifestações vão continuar a ser realizadas. O governo vai ficando cada vez mais fragilizado.


 


 


Eleições na República Árabe Síria


 


 


Queremos aqui, de público, parabenizar a vitória do presidente Bashar El Assad, no plebiscito em que seu nome foi submetido à consulta popular há dois domingos atrás. Dos 11.967.611 eleitores inscritos com direito de voto, compareceram 11.472.157 e o presidente foi confirmado por 97,62% dos votos. Entendo que isso consolida amplo apoio do presidente sírio, em especial da sua política nacional e patriótica, a que chamamos de pan-árabe que muitos davam como derrotada e extinta desde os tempos de Gamal Abdel Nasser, falecido em 1970. A resistência árabe, patriótica e até mesmo revolucionária em todo Oriente Médio é hoje exercida pelo governo da Síria que se recusa a ceder em termos de enfrentar os americanos e Israel, em conjunto com o governo do Irã e mais agrupamentos políticos e religiosos que fazem esse enfrentamento.


 


 


Não somos cidadãos sírios, mas se pudéssemos e lá vivessemos, em eleições gerais desse país em que Bashar fosse candidato a presidente, seguramente teríamos apoiado o seu programa e suas propostas de governo. Assim, desejo sucesso ao novo mandato popular referendado pelo povo da Síria a esse governo popular e combativo. Vida longa ao governo sírio e seus aliados, em especial ao Partido Comunista da Síria.

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