Diretas Já ou Só Diretas: uma falsa polêmica

“Nos grandes processos, vinte anos equivalem a um dia, ainda que em seguida possam apresentar-se dias que concentram em si vinte anos”, escreveu Karl Marx em carta a Engels. Recordava, com isso, que a história não é linear, uma evolução lenta e permanente de acontecimentos, mas resultado de embates diversos, idas e vindas, como uma estrada repleta de curvas e armadilhas que exigem vigilância permanente.

E cada dia, no Brasil, está a valer por muitos anos na história. Momento que exige serenidade para tomar as decisões mais justas; suas consequências, afinal, serão sentidas por um longo período.

Amplitude e radicalidade não se excluem

Com a deterioração do governo usurpador de Michel Temer, surge com força a bandeira das “Diretas Já”, cuja capacidade agregadora se reflete na quase unanimidade com que ela é recebida no seio do povo – segundo pesquisa do Instituto Paraná, divulgada nesta quarta-feira, 31/05, 90,6% dos brasileiros querem eleger, pelo voto direto, a pessoa que exercerá a presidência da República. A possibilidade de delegar esta autoridade ao Congresso Nacional é amplamente rejeitada.

Evidente que viabilizar as eleições diretas exige uma brutal alteração na correlação de forças, na medida em que depende que este mesmo Congresso aprove uma emenda à Constituição assegurando este direito, um caminho longo e difícil. Justamente por isso é necessário reforçar essa luta nas ruas e estimular um clamor popular em defesa dessa bandeira. Uma forte campanha cívica está em marcha e tende a crescer consideravelmente nas próximas semanas.

Entretanto, a política não é uma ciência exata. Não basta seguir uma fórmula pronta, como uma receita de bolo. Dúvidas e vacilações diversas acabam por surgir. Por um lado, há aqueles que, embora sejam do campo progressista e defendam publicamente as diretas, na prática já fazem articulações em torno das eleições indiretas, assumindo uma perspectiva derrotista em relação à causa que, em tese, defendem. Por outro, setores desse mesmo campo ensaiam reeditar algo semelhante ao “Só Diretas”, movimento que rejeitou participar do Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves presidente em 1985: a história, dura como só ela, tratou de provar que aquela não foi a melhor decisão. Chegam a defender a proibição, desde já, da participação em eleições indiretas, caso elas ocorram – proposta seriamente discutida por tendências do PT, por exemplo.

As eleições indiretas não são a solução para a crise e a prioridade das forças comprometidas com os interesses da nação deve ser criar um amplo movimento popular em defesa das “Diretas Já”. Ao mesmo tempo, deve-se ter a clareza de que a luta política se faz a partir da realidade objetiva que, por seu turno, é dinâmica. As palavras de ordem – conceito criado por Lênin para designar uma diretiva concreta para a ação, num dado contexto – devem atender à essa dinamicidade e à ela se adaptar, sob pena de ficarem caducas.

Hoje, a palavra de ordem mais atual e que melhor compreende os anseios democráticos é a das “Diretas Já”. Sob ela devem se unir os patriotas, buscando esclarecer aqueles que, ainda que com boas intenções, julgam que esta causa foi derrotada antes mesmo de ser posta à prova: não se perde uma partida antes de entrar em campo, afinal. Amanhã, caberá à realidade objetiva apontar o caminho mais adequado e aos partidos progressistas e de esquerda ter clareza para – quando e se necessário – fazer os ajustes necessários na tática adotada, sempre levando em conta a noção de que ser amplo e radical são condições que, longe de se excluírem, se completam. “Cada dia sua agonia”, como diz o ditado popular.

O centro deve ser a política

As palavras de ordem são importantes, mas devem responder ao objetivo político que se pretende alcançar em determinado contexto. Elas não devem ser resultado do que desejamos em nossos melhores sonhos, mas de uma análise assentada na realidade concreta. Devemos, portanto, nos apegar menos às palavras propriamente ditas e mais ao que pretendemos com elas conquistar.

Em outros termos: o que está posto, no atual momento, é garantir a realização de três grandes causas: a) parar de imediato a tramitação das reformas anti-povo, sobretudo as da previdência e trabalhista, e estancar o processo de desmonte do Estado Nacional; b) recuperar, ao menos em parte, certa normalidade institucional, tendo em vista que, com todas as limitações desse nosso modelo de democracia, o que está posto como eventual alternativa são as tentações autoritárias, de cunho fascista, já conhecidas pelos brasileiros e que tantos traumas causaram em nossa história; e c) garantir um governo de transição que, atendidos os dois primeiros objetivos, garanta as condições para a realização de eleições presidenciais em 2018, onde as diversas forças políticas possam apresentar suas plataformas e o desejo do povo seja, ao final, respeitado.

Em síntese, o momento exige amplitude para preservar o que é essencial, e para isso é preciso atuar em todos os campos e se preparar para todas as possibilidades, adotando as bandeiras correspondentes à cada conjuntura e que melhor viabilizem a consecução de tais objetivos.

Nesse momento, essas bandeiras são o “Fora, Temer!” e as “Diretas, Já!”.

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