Quem quer liderar o novo projeto nacional?

 .

– Eu! – brada Luiz Inácio, altivo e saborosamente gaiato, lá do banco dos réus.

– Deixe de ser fominha, sujeito! Não tá vendo que sou eu? – sinaliza, do meio do sertão, Ciro, rebenque na mão.

Quem mais?…

Silêncio.

Em um pequeno texto que postei nas redes sociais, concluí que, neste momento grave por qual passa o País, estão em disputa os destinos da nação e a liderança do processo transformador. Ambos os objetos da contenda reclamam na arena os cônscios de suas responsabilidades históricas.

Ciro, do PDT de Brizola e Darcy Ribeiro, em plena campanha antecipada, tem aparecido em diferentes pontos do País opinando sobre os mais variados assuntos. Dono de uma verve irônica e de um estilo direto, apresenta proposta para cada drama da vida nacional, ao tempo em que distribui bordoadas verbais entre a fauna golpista que assaltou nossa perplexa República.

Lula, do Partido dos Trabalhadores, a certa altura de seu depoimento de 10 de março último no Picadeiro dos Horrores Judiciais do Circo Lava a Jato, declarou, para o canastrão togado e para quem quisesse ouvir, que, mais que candidato, seria presidente.

O desempenho do metalúrgico no frege com os moleques de Curitiba aumentou ainda mais seu cacife. Pesquisas de opinião encomendadas já antes dão conta de índices impressionantes de liderança eleitoral – o que tem levado inúmeros lulistas das mais diferentes cores e agremiações…

– Cê não sabia?! Não tem lulista só no partido do homem não, nêga!

Os números, dizíamos, têm levado lulistas a considerarem que a próxima peleja eleitoral (se houver, é bom que se diga) será entre o Partido Lulista e o Partido da Lava a Jato – uma alusão evidente à célebre frase de Barbosa Lima Sobrinho: "No Brasil, há dois partidos: o de Tiradentes e o de Silvério dos Reis".

Ocorre que, nem Lula é Tiradentes, e nem o Brasil se resume a Flamengo ou Fluminense, Grêmio ou Inter, Vitória ou Bahia, Caprichoso ou Garantido – com todo o respeito e reconhecimento às poderosas torcidas e ao saudoso Barbosa Lima Sobrinho, da também saudosa ABI – Associação Brasileira de Imprensa.

A gente entende esse afã de simplificar a vida. Ela é mesmo muito complicada. O povo brasileiro é muito complicado: por trás daquele carnaval todo, daquela generosidade sem peias, da tal cordialidade hospitaleira… pense numa alma nacional complexa, cheia de segredos e contradições insondáveis. Toda a razão tem quem disse: o Brasil não é para amadores. Ainda mais nesta quadra em que se encontra o mundo.

Se passearmos os olhos pelo histórico das recentes eleições em diferentes partes do orbe, veremos um fenômeno em comum: cidadãos em busca de alternativas fora do corredor estreitos das alternativas usualmente apresentadas.

A banca tem passado seus apertos para impor suas candidaturas. A esquerda, em especial aquela que esqueceu qual mão é qual, está a sofrer a rejeição do berço de onde veio. Nos EUA, Bernie Sanders levou os Clintons e Wall Street às cordas. Derrotado por pontos, foi sensato, e compôs com o demônio para evitar o mal maior da fascistização de seu país – o que não foi suficiente para evitar o nocaute dos democratas. Na Espanha, na França, na Grécia, na Bolívia, na Venezuela, no Equador, em diferentes lugares e momentos, o eleitorado vem buscando alternativas para além do cercado imposto pelas agendas meramente possibilistas. Às vezes acerta, como recentemente na Coreia do Sul, às vezes cai na demagogia abjeta de uma direita cínica e grotesca, e, às vezes, diante das enormes incertezas, resigna-se e, a contragosto, vota no mais do mesmo.

Quando a Cidade de São Paulo elege um prefake**, cruzamento de Maluf com Jânio de cashmire, cevado nos chiliques das socialites de laquê e cara plastificada, qual o recado? Quando os segmentos socialmente vulneráveis silenciam diante dos atos de ódio das elites contra os que trabalham, isso significa apenas que os beneficiários do Bolsa Família e do Proune foram ganhos pela ideologia liberal? Quando as fábricas cruzam os braços somente quando a vaca vai pro brejo, e não para defender lá atrás o legado de um de seus filhos, qual a mensagem?

Para esse atormentado escriba (porque um cabra que pergunta tanto só pode ser um atormentado, convenhamos!) a Nação demanda que um valor mais elevado se apresente; um Moisés, que lhe oferte um outro destino, um novo caminho e um novo modo de caminhar, um novo projeto nacional de desenvolvimento.

O que, para além das enormes diferenças, Lula e Ciro têm em comum? Duas coisas: uma, coragem de assumir suas responsabilidades diante da História e de seu País; a outra, serem porta-vozes de perspectivas ainda limitadas e difusas. O primeiro, a maior liderança em prestígio e força política, está sob cerrado bombardeio, e faz discurso de salvador da pátria, centrado no eu e naquilo que foi, no "governo do PT", no "nunca antes na história deste país", não no devir. O segundo faz o tipo valente, positivo, de quem não tem receio de dizer as do fim; prega desenvolvimento, responsabilidade e valores democráticos; resgata o melhor do estilo caudilho progressista, mas ressuma ainda a saída meeira e sem novidades.

Ambos disputam a liderança da resistência e do processo transformador. Podem mesmo crescer e se tornar, um ou outro, o ponto de convergência da insatisfação nacional, a alternativa almejada. Tudo depende do andar da carruagem política – os resultados do processos judiciais em curso, a resposta das ruas às reformas regressivas, o posicionamento das diferentes forças da base golpista, e a capacidade que cada qual terá de ser expressão da vontade geral. Ou seja: no ringue, ainda cabem outros lutadores, outras alternativas, outros valores, outras lideranças. E cabem já.

– E os comunistas? – pergunta o atento leitor – Eles têm projeto, programa; aprovaram recentemente um baita documento, clarividente, norteador; têm história, militância, quadros de elevada estatura… O que dizem os comunistas? Quem fala por eles? Como vão disputar o protagonismo, a liderança do projeto transformador?

O PCdoB realiza seu 14º Congresso em novembro. Os comunistas já estão debatendo o assunto. Não é segredo para ninguém a opinião deste modesto teclador: ele defende que o Partido com a cara e a coragem do Brasil alce sua voz clara e segura e dispute, como protagonista, a liderança da luta transformadora. O coletivo partidário é que dirá como isso há de se efetivar.

Eu? Vou lá no fórum que me caiba, dou o meu recado, ouço, reflito e ajudo a decidir. Mas já afianço que sempre prefiro andar de coletivo.

** Prefake é invenção genial que deve ser creditada a Wander Geraldo, camarada e sambista de São Paulo, ou, se preferirem, sambista camarada perucheano paulista

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor