Doutrina de Trump e os impasses na península coreana

Toda primavera a história é a mesma. Os Estados Unidos em conjunto com a Coreia do Sul realizam seus tradicionais exercícios militares, ressaltando seu caráter defensivo. A República Popular Democrática da Coreia, por sua vez, os interpreta como um ensaio para uma futura invasão.

Não sem fundamentos, pois há um esquadrão de elite, recentemente introduzido, com a missão exclusiva de eliminar a liderança da Coreia Popular, especialmente Kim Jong-Un. Este ano, no entanto, as tensões estão se elevando a um patamar inédito.

O responsável por supervisionar as operações militares estadunidenses no Pacífico, Harry Harris Jr. disse em Washington D.C, na quinta-feira 27 de Abril de 2017, perante uma audiência sobre a Coreia Popular no House Armed Services Committee (HASC) que a crise na península está na pior fase que ele já viu.

Sua fala entra em ressonância com as atitudes do novo presidente Donald Trump, ansioso para demonstrar à burguesia estadunidense suas capacidades administrativas e cumprir a meta programática de fortalecer a hegemonia do capital ianque no mundo. Não devemos nos deixar enganar pelos editoriais – de oposição – que buscam pintá-lo como um louco no volante sem direção. Ao contrário, como um bem-sucedido homem de negócios, imprevisibilidade e pressão são sua marca registrada para confundir adversários e cumprir seus objetivos. Suas promessas de campanha, ditas por muitos como exageradas e inviáveis, são na verdade cheques em branco para futuras negociações.

Como foi o caso da China, acusada e atacada sistematicamente durante o período eleitoral, mas que após o primeiro encontro entre seus chefes de estado, foi persuadida a agir diretamente contra os interesses da Coreia Popular em troca de concessões políticas – Trump abandonou sua promessa de campanha de taxar a China como manipuladora de câmbio.

Neste sentido, o envio de uma armada para as cercanias da península coreana deve ser interpretada como uma jogada geopolítica que vai além dos tradicionais imbróglios da questão. O fim da política estadunidense de “paciência estratégica” e a adoção de uma nova baseada no “engajamento e pressão máxima”, é uma mensagem para o mundo da nova assertividade que o governo estadunidense irá assumir contra seus opositores, tanto na via diplomática, quando militar.

Em audiência ao Congresso, a administração Trump expôs que buscará aplicar fortes pressões econômicas e diplomáticas contra a RPDC. Contudo, em outras ocasiões, argumentou que todas as opções estão na mesa, incluindo a militar.

Dentro da política interna, a crise coreana representa um ponto de coesão necessário, em um país dividido desde as eleições de 2016, entre as diversas forças políticas da burguesia e setores ditos progressistas. Vide o “socialista” Bernie Sanders que, em entrevista à CNN, afirmou ”ele (Trump) está fazendo a coisa certa”, referindo-se a tentativa dos EUA em persuadir a China a tomar as medidas necessárias para enterrar o programa de defesa da Coreia Popular. E ainda acrescentou “…a Coreia do Norte é um perigo real para o mundo e devemos fazer tudo ao nosso alcance para prevenir a guerra nuclear e faze-los parar com seu programa nuclear…”. Em outra ocasião Sanders afirmou que “o problema da Coreia do Norte é de enorme importância e precisamos de esforços bipartidários para controlar os esforços nucleares muito agressivos da Coreia do Norte…”. É a boa e velha fórmula estadunidense de sempre precisar de um inimigo externo para reforçar a unidade dentro do país e formar consenso. É como o imperialismo justifica na política nacional suas ações no exterior.

Dentro desta perspectiva intervencionista, os Estados Unidos instalaram, sob forte objeção da Rússia e da China, o sistema de defesa antimísseis THAAD (Defesa Aérea Terminal de Alta Altitude) na Coreia do Sul. Em teoria, o THAAD foi projetado para proteger a Coréia do Sul e o Japão de ataques da Coreia Popular, para garantir sua segurança nacional e de seus aliados estratégicos. Na prática, é uma demonstração de força contra a ascensão da China e o crescente poderio da Rússia. Uma projeção concreta do poder estadunidense na região de onde se localizam seus principais desafiadores.

A China já declarou que sua posição "é clara e firme. Somos contrários à instalação do sistema THAAD e pedimos às partes envolvidas que interrompam imediatamente a instalação. Tomaremos as medidas necessárias para defender nossos interesses".

A Rússia afirmou que a instalação do THAAD vai dar inicio a uma nova corrida armamentista. Na visão Russa, expressa por Viktor Poznikhir na Conferência pelo Desarmamento realizado em Geneva em marco de 2017, a presença deste tipo de sistema dá uma falsa ilusão de impunidade aos estadunidenses ao disfarçar o uso de armamentos de natureza estratégica ofensiva sob o quadro teórico defensivo.

Além disso, Donald Trump pressionou a Coreia do Sul a assumir os custos de instalação e manutenção do sistema, estimados em U$1bilhão de dólares. Em resposta, o governo sul-coreano já afirmou que não irá pagar. Cientes de que esta provavelmente seria a reação, a meta sempre foi gerar pontos de pressão para negociar melhores acordos comerciais com o país asiático em favor do capital estadunidense.

A estratégia de Trump não possui barreiras morais, vale tudo para atingir seus objetivos. Quando confrontado sobre a existência de uma “Doutrina Trump”, tradição entre os presidentes estadunidenses, o magnata negou, alegando que nada é certo em sua política externa. Não quer que ninguém saiba o que ele pensa. Contudo, podemos argumentar que essa opção deliberada pela imprevisibilidade, expressa pelo próprio em diversas ocasiões, é a sua doutrina. “A doutrina de não ter doutrina”, ou seja, a quebra das regras tradicionais da diplomacia e negociação deixam os atores geopolíticos em estado de alerta, tensos. A questão coreana, desta forma, é o laboratório da administração Trump para testar sua estratégia.

Não por acaso, recentemente, declarou a agência de notícias Bloomberg News que estaria honrado em encontrar-se com Kim Jong Un, porém acrescentou não haver as condições necessárias no momento atual. Em outras palavras, uma carta branca para negociações com a Coreia Popular em meio ao escalonamento das tensões.

A RPDC, no entanto, sabe que está pressionada por todos os lados, é um estado sitiado. Sua aliada histórica, a China, apoia as duras sanções e o fim do programa nuclear do país, porém defende uma estratégia de dupla concessão, onde os Estados Unidos, em troca da complacência coreana, abandonariam os exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul. Os estadunidenses, por sua vez, além de coadunar com a China nos objetivos, mas diferir nos métodos e propostas, utilizam a Coreia Popular para cumprir sua agenda de interesses – interna e externa – muito além do escopo da questão.

Na perspectiva coreana, a posse de armas de destruição em massa funciona – como historicamente comprovado – como uma arma de dissuasão. Em um mundo de correlações de força extremamente desproporcionais, armas nucleares são essenciais para aumentar os custos de uma invasão perpetrada por um agressor estrangeiro. Vide a situação na Síria, atacada unilateralmente sem qualquer respaldo das organizações internacionais.

Além disso, nenhum país soberano quer delegar a outro país sua defesa e segurança nacional. Os comunistas coreanos sabem dos perigos eminentes que sua pátria sofre. Por isso insistem no programa nuclear como uma forma de tornar sua defesa eficiente, exigência fundamental da contemporaneidade, pois cada vez mais os exércitos regulares perdem proeminência.

Em suma, os sinais contraditórios tornam qualquer previsão dos acontecimentos futuros mera especulação. A Doutrina da Imprevisibilidade de Trump empurra o mundo em direção a perigosas conflagrações e possíveis conflitos militares, com alto risco para descambar em uma guerra em escala global.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor