Ficção contra o fascismo

É a ficção que sustenta o mundo. A boa ficção, é que, a contragosto dos que pregam a não funcionalidade da arte, de qualquer arte, resolve os verdadeiros dilemas da humanidade. É ela que hoje impede que vivamos num mundo somente de radicais, onde qualquer tipo de sectarismo, em qualquer esfera tenha, sempre, quem combata, quem resista à radicalizações e perigosas generalizações.

Pois o nosso Brasil a cada dia dá novos passos a uma ditadura disfarçada, ao que se soma a ascensão impressionante de neofascistas, pentescostais alucinados e todo o tipo de pensamento que nega o valor da ficção, e por consequência da democracia, da tolerância e da empatia para com o próximo.

Machado de Assis, nosso gênio da periferia do mundo ocidental, que o diga. Suas personagens em qualquer de seus gêneros literários, mergulhados na mais sutil das tramas, e aí falo, por exemplo, do conto “Uns Braços”, trazem consigo aquela maravilha da dubiedade e da imprecisão; o que, tenho certeza, é um incompreensível para os fanáticos e doentes de qualquer causa possível e imaginável.

A boa ficção salva o homem do horror em se acreditar em interpretações apressadas e que se apegam, exclusivamente, ao que seus olhos desejosos encontram. Aliás, ela, a ficção verdadeira, anula aquela coisa de duas cores num cenário só. E provoca, sem aviso, a que se pergunte, será que tudo tem mais de duas cores? Será que meu universo, esse pequeno umbigo que me pertence, tem mais sutilezas do que acredito?

Sim, a sociedade é salva da idiota e da barbárie absoluta quando se lembra dos Irmãos Karamázov, Os Demônios e muito de Crime e Castigo, porque nesses romances incríveis de Dostoiévski – um dos maiores, se não o maior dos ficcionistas da história, nada é absolutamente horrível que não se encontre seu oposto, ou seja, a paz de espírito e a comunhão.

Raskonilkov o algoz em Crime e Castigo ajoelha diante de Sonia, pede perdão pela humanidade a seus pés, e ali instaura sua salvação quando de seu exílio forçado na Sibéria. E que tenhamos, todos, inclusive os radicais, esse momento terno e duro na vida, quando ajoelhados diante da musa percebemos nossa pequenez.

E aí a fascinante beleza da boa ficção, de nos fazer refletir para além das paixões. Onde a beleza é coisa de deus e diabo, mas é do coração que interessa, é do amor, sob qualquer aspecto que precisa prevalecer, aliás. E quem acredita que a situação de um livro, de uma carreira literária se resolve somente com passes mágicos e ações espetaculares, automaticamente está a se esquecer do amor à ficção, à verdade e da fantástica ficção

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