Estrelas Além do Tempo

Em resgate da luta das cientistas afro-estadunidenses nos anos 60, cineasta Theodore Melfi expõe o racismo na Nasa durante a Guerra Fria

Luta com ideias e números

Não só devido à mescla dos polêmicos temas abordados, a narrativa deste “Estrelas Além do Tempo” transcorre em alta tensão. O cineasta estadunidense Theodore Melfi ao resgatar a luta de três cientistas afro-estadunidense contra o racismo na Nasa (Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço) põe em ocorrência o direito de imigrar, a xenofobia e o apartheid engendrado pelo Governo Donald Trump.

Com a diferença de que agora se ameaça com muro para dividir EUA/México, como os que separam Israel do Estado Palestino. No início da década de 60, durante o Governo John Kennedy (1961/1963), prevalecia nos EUA o apartheid, tal como estabelecido na África do Sul. É neste período histórico que a escritora afro-estadunidense Margot Lee Shetterly (1969) situa seu livro “Hidden Figures/Escondidas nas Sombras), adaptado por Meilfi e seu corroteirista Allison Schroeder.

Baseado na história de Katherine Globe (1918), Dorothy Vaughan (1910/2008) e Mary Jackson (1921/2005), de Hampton, Virgínia. Após formadas em Matemática, elas ingressam na NASA, onde se entregarão a complexos cálculos matemáticos para, a partir da base de Langley, lançar foguetes espaciais. O ambiente de trabalho, mesmo sendo entre cientistas, reproduzia a separação por raça, com idêntico apartheid e desrespeito.

Afro-estadunidenses são discriminadas

Numa sequência de horror, a centrada, ousada e genial Globe (Tarajil P. Henson), ainda viva, percorre longos corredores e rua para se aliviar. Seu chefe Paul Stafford (Jim Parsons) a trata com desprezo, jogando apostilas e folhas com cálculos em sua mesa ao invés de, educadamente, lhe entregar. Com Vaughan (Octavia Spencer) não é menos cruel, ainda que supervisione dezenas de calculistas, não detém o cargo nem recebe o salário condizente. E Jackson (Janele Monáe) é claramente negligenciada.

Com este clima de explícita segregação, com Globe sequer podendo tomar o café servido a brancos e brancas, Melfi configura o ambiente em que ela e Vaughan se esforçavam para mostrar competência e serem aceitas como cientistas. Este é, contudo, o tema central do filme, cuja ação transcorre durante a corrida especial (1959/1991), em plena Guerra Fria (1945/1991), que opunha os EUA à União Soviética (1917/1991). E Shetterly e Melfi terminam por fundi-los num só tema.

As ações de ambas são reforçadas pelo trabalho feito durante a montagem do programa espacial dos EUA. A tensão aumenta quando a União Soviética lança o foguete Vostok 1 com o astronauta Yuri Gagarin, em 12/04/1961. John Kennedy (1917/1953) então exige da NASA o rápido lançamento do Freedon 7. Esta reviravolta transforma o drama, centrado nas personagens, ou seja, em Globe, Vaughan e Jackson, na primeira parte, num thriller, no qual ação suplanta a luta contra a segregação.

Harrison desmonta a teia da segregação

O que concentra a atenção do espectador na disputa EUA/União Soviética, através do lançamento de foguetes para conquistar o espaço. Esta mudança feita por Melfi em vez de fragilizar a narrativa a reforça. Globe atrai a atenção do diretor da NASA, Al Harrison (Kelvin Costner), que reconhece seu trabalho, fazendo-a elaborar os cálculos das viagens especiais. E a recompensa de Vaughan é por ter criado os cartões que agilizaram os cálculos no computador da IBM, obtendo a confiança da chefe Mitchell (Kristen Dunst).

Esta confiabilidade lhes granjeia bônus, sem questionamento do controle do espaço pelo imperialismo estadunidense, quando deveria ser de domínio internacional. Mas rende duas impactantes sequências: I – de Globe chorando e expondo a Harrison sua humilhação por ter de percorrer grandes espaço para se aliviar; II – de Harrison quebrando a placa de uso de banheiros separados para negros e brancos. “Aqui é a NASA, o mi… de vocês é da mesma cor!”

Com Mary ocorre o contrário. Ao tentar cursar engenharia na Universidade de Hampton, tem de superar as leis segregacionistas do estado de Virgínia, indo direto ao tribunal, e enfrentar o professor da faculdade que lhe diz ser o currículo do curso de Engenharia não adaptado para as mulheres. Contudo, a intenção Shetterly e Melfi é fazer a sociedade estadunidense reconhecer a contribuição das cientistas afro-estadunidenses para o desenvolvimento espacial dos EUA.

Liberdade deve ser conquistada

Seu aguçado olhar, porém, não se prende à NASA, se estende às ruas de Hampton. Mesmo Vaughan e os dois filhos pequenos se veem em meio às manifestações contra o apartheid estadunidense e lhes diz depois no ônibus: Não acreditem nessa política de separados mais juntos, isso representa outra coisa. E Mary que, após expor seus problemas com NASA, ouve de seu companheiro Levi: “Liberdade nunca é dada aos oprimidos, precisa ser conquistada”. Não só nos EUA, como no Brasil dos afro-brasileiros presos às caixas dos aglomerados e ao rancor dos racistas e fundamentalistas.

“Estrelas Além do Tempo”. (Hidden Figures). Drama/Thriller. EUA. 127 minutos. Música: Hans Zimmer/Pharrell Willians/Benjamim Wallfisch. Edição: Peter Teschner. Fotografia: Mandy Walker. Roteiro: Theodore Melfi/ Allison Schroeder. Direção: Theodore Melfi. Elenco: Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janele Monáe, Kevin Costner, Kristen Dunst, Mahershala Ali, Jim Parsons.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor