“Capitão Fantástico”, opções em construção

Ao opor experiência comunitarista ao capitalismo, cineasta estadunidense Matt Ross aponta a busca de opções ao sistema em plena crise neoliberal.

Não é de tudo descabida a ideia de que todos voltamos a ser adubo, não importa por quais meios, como apregoa o cineasta estadunidense Matt Ross neste seu “Capitão Fantástico”, não de tudo longe das ideias de Friedrich Engels (1828/1895), em “Dialética da Natureza”. Esta concepção predomina na segunda e terceira parte deste “Capitão Fantástico” como a matizar os choques éticos e morais entre o comunitarista Ben (Virgo Mortensen) e o sogro Jack Bertrang (Frank Langella), ferrenho capitalista.

No centro da controvérsia está o corpo de Leslie (Trin Miller), mãe de seis filhos, que acaba de falecer. Enquanto o materialista Ben decide respeitar o testamento dela, o cristão Bertrang não pretende atendê-lo, da forma por ela determinada. No centro da controvérsia estão, no entanto, irreconciliáveis concepções de mundo, tratadas por Ross de modo a ressaltar o impasse em que o sistema capitalista, em sua etapa neoliberal, se encontra. E o desvenda por meio destes emblemáticos personagens.

Ben e Leslie vivenciaram o comunitarismo com os filhos numa floresta do norte dos EUA. Não se trata de simples opção, ambos seguem as ideias do linguista e socialista estadunidense Noam Chomsky (1928), que defende a extinção do capitalismo e de seus substratos: consumismo, militarismo, financeirização e mercantilização das atividades humanas.“(…) A transição de um sistema social para o outro será a revolução social (…)”, diz em sua obra “Razões de Estado”, Editora Record, 2008, pág. 441.

Comunitarismo de Ben é autônomo

A considerar sua estruturação num microcosmo rural, a experiência de Ben e Leslie é mais condizente com a Colônia Harmonia do socialista inglês Robert Owen (1771/1858), em Indiana, EUA, no início do século XVIII. Nelas seus filhos aprendem a plantar, caçar, escalar montanhas e estudar ciência, matemática e as funções do corpo. Isto os prepara para superar as adversidades, embora não tenham contato com outros modos de vida.

Para opor diferentes concepções político-econômico-sociais, Ross cria realidades opostas às existentes, onde a teia de comunicação virtual mantém as comunidades, mesmo isoladas, plugadas, dando a ideia de um só universo. Já no microcosmo da família de Bem e Leslie a comunicação é direta, sem qualquer restrição, mesmo a menção às funções do corpo, como na hilariante sequência em que a garotinha Zaja (Shree Crooks) deslinda seus recém-adquiridos conhecimentos de anatomia.

Entretanto, a disciplina deles exigida é brutal. Quando o adolescente Rellian (Nicholas Hamilton) se acidenta ao escalar com os irmãos a arriscada montanha, Ben o obriga a cuidar de si diante dos outros, para ensiná-los a sobreviver em árduas situações. Trata-se do microcosmo em que conta mais a solidariedade, a sinceridade, o companheirismo e a amizade, como virtudes a compartilhar. Ross matiza-o com fortes e vivas cores, a ressaltar tanto a natureza humana quanto a do meio ambiente.

Realidade urbana é pura armadilha

Seu contraste é estabelecido na segunda parte do filme, sem subtramas, mas de narrativa em contínuo, quando a família é obrigada a visitar a cidade para o funeral de Leslie. Todas as concepções de Ben entram em conflito com a realidade urbana, onde a teia global de comunicação visual e imagética mesclam entretenimento, informação, modismo e controle político-ideológico. No contato com outros jovens, seus filhos descobrem um universo totalmente diverso do seu e estranham.

Isto lhes dá, por outro lado, a sensação de superioridade, de ver o quanto os outros estão despreparados. Mas o vácuo os obrigam a ir se adaptando, ainda mais quando suas concepções advindas de Leslie e Ben entram em choque com as do avô Jack, acostumado a impor suas ideias e não esconder sua coleção de armas na sala. Advém daí a ditadura do capital, construída por Ross através do estilo impositivo de Jack, que negligencia o testamento da filha, preparando seu enterro em rito cristão.

Na terceira parte do filme, Ross robustece a narrativa ao opor as concepções político-sociais comunitaristas às capitalistas. Numa manobra, Jack enfraquece a autoridade de Ben perante os filhos ao decidir-se pelo funeral cristão ao invés do ritual das crenças asiáticas, seguidas por Leslie. Entretanto, Ross supera este impasse valendo-se das dramatúrgicas regras hollywoodianas da queda e do reerguimento do herói ao estilo do filme de ação, mesmo ao construir o desfecho com surrealistas gags.

Isolacionismo não ajuda Ben e filhos

Mas tanto Ben quanto os filhos percebem o quanto o isolacionismo os impedem de trocar conhecimentos com os habitantes do meio urbano. O que mostra a necessidade de evoluírem nas interinfluências com outros jovens, sem perder suas concepções evolucionistas. Enfim, por mais que os defensores do capitalismo apregoem sua perenidade, nenhum sistema sócio-político-econômico é eterno, como atestam o escravagismo e o feudalismo, ele mesmo engendra sua queda e seu inexorável substituto.


Capitão Fantástico (Captain Fantastic). Drama. EUA. 2016. 118 minutos. Música: Alex Sommers. Montagem: Joseph Krings. Fotografia: Stéphane Fontaine. Roteiro/direção: Matt Ross. Elenco: Viggo Mortensen, Frank Langella, George Mackay, Nicholas Hamilton, Shree Crooks.

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