Adeus, Dona Marisa 

 Adeus, Dona Marisa. Vá em paz. Nós ficaremos, com o pranto e a dor. Ficaremos com uma espécie de orfandade, acentuada ao ver Lula sozinho, de tão acostumados que estávamos a sua presença ao lado dele. Ficaremos para resistir, sobretudo para resistir, dona Marisa, pois que o tempo atual é, no dizer do poeta Brecht, um tempo de caos e de desordem.

Vá em paz, dona Marisa. Nós ficaremos. Ainda precisam de nós por aqui. Tentaremos nos lembrar de você, do seu olhar sereno e tranquilo, da sua postura firme e calma, mesmo quando atravessou as maiores dificuldades. Precisaremos nos lembrar disso, pois há tanto ódio, tanta intolerância, tanto preconceito, tanta ignorância, que precisaremos ser firmes mas mantendo a calma e a serenidade. Parece que você aprendeu a lição do Ernesto melhor do que nós, dona Marisa. Mas precisaremos disso, haveremos de endurecer contra os que nos combatem sem perder, jamais, a ternura. O ódio é a arma deles, não a nossa. Não seremos cordeirinhos, de forma alguma, não caminharemos feito gado para o matadouro. Resistiremos, e lutaremos. Mas não precisamos do ódio para isso. O ódio é a arma deles, não a nossa.

Vá em paz, dona Marisa. Nós ficaremos por aqui, ainda. Há tarefas a cumprir. Precisamos denunciar, em seu nome, em sua memória, aqueles que trocaram o juramento de Hipócrates pelo juramento dos hipócritas, aqueles que se portaram como assassinos nas redes sociais. Eu acredito neles, sabe? Eu acredito que eles, de tão envenenados pelo ódio como estão, qualquer dia desses são capazes de sair por aí matando aqueles de quem eles discordam. Eu tenho medo de adoecer e ser atendido por um desses médicos. Vai que ele descobre meu coração rubro e resolve que está na hora do capeta me abraçar. Eu tenho medo deles, dona Marisa, eles são capazes de qualquer coisa.

Vá em paz, dona Marisa. Nós ficaremos mais um pouco, sabe? Há algumas coisas que precisamos fazer por aqui. Há um bom combate a ser travado por nós. Nós estamos numa maré ruim, os ventos sopram contra nossa embarcação, fazem a gente retroceder. O mar da história, como ensinou aquele outro poeta Maiakovski, é agitado. Mas nós o atravessaremos, mesmo que nossa embarcação seja um barquinho de lata e que aqueles que nos combatem possuam grandes vasos de guerra. Mas nós lutaremos. E haveremos de vencer. E, se perdermos, outros virão depois de nós e continuarão a nossa luta, disso eu não tenho a menor dúvida.

Vá em paz, dona Marisa. Nós ficaremos por aqui, tentando continuar a sua luta, tentando construir aquele mundo que você sonhou e que se esforçou tanto para fazer. Tentaremos construir um novo Brasil, tentaremos dar continuidade ao legado de Lula e de Dilma; tentaremos dar continuidade ao legado de lutas do povo brasileiro, o povo de verdade, sofrido, massacrado, mas que não abandona a alegria, a esperança e a luta. Vamos ficar um pouco mais, pra lutar, com alegria e com esperança.

Vá em paz, dona Marisa. Nós ficaremos por aqui. Na minha rua, há quinze anos, a gente faz uma festa junina, sabia? Daquelas que você fazia e que era tão criticada. Nossa festa é um momento ímpar, é um momento de congraçamento, de esquecermos por um instante nossas desavenças de vizinhos e de celebrarmos a vida, a amizade, o companheirismo, de celebrarmos a nossa humanidade, que tantos parecem ter perdido. Nossa noite junina é uma festa do povo. Na nossa festa desse ano eu lembrarei de você, certamente. Eu também tenho um quintalzinho, dona Marisa, que gosto muito, cheio de frutas, um quintal sertanejo. Quem sabe um dia eu plante por lá umas flores. Só me desculpe se eu não fizer no formato de estrela, embora eu goste tanto delas. Mas é que eu prefiro, dentro do peito vermelho, a foice e o martelo. Essas diferenças de gosto não impedem que sejamos companheiros da mesma luta e que nos respeitemos mutuamente, não é? Afinal, o ódio é a arma deles, não a nossa.

Adeus, dona Marisa, vá em paz. Nós ficaremos um pouco mais, a conjugar o verbo que você nos legou, o verbo da luta e da esperança, o verbo de um Brasil novo.

Como diria o Lula, vá em paz, “galega”. Nós ficaremos, na nossa trincheira de luta, com sua lembrança em nossos corações.

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