O conteúdo determinará a forma

Nem sempre a cena política se desenrola conforme planejado. Fatores objetivos determinam mudanças no rumo dos acontecimentos, à revelia da vontade subjetiva dos eventuais principais atores.

 Karl Marx menciona isso no 18 Brumário de Luís Bonaparte.

Nossa presidenta do PCdoB, deputada Luciana Santos, tem se referido ao elevado grau de imprevisibilidade na conjuntura política atual do Brasil.

O fato é que o roteiro traçado pelas forças que conduziram o impeachment da presidenta Dilma encontra enorme dificuldade de se concretizar. As entregas prometidas não estão sendo feitas e provavelmente não serão.

Nem a estabilidade política, nem a retomada do crescimento econômico e muito menos a prometida "reunificação" da nação.

A votação do projeto de lei de iniciativa do Executivo que refaz a programação das dívidas dos estados para com a União, anteontem, na Câmara dos Deputados, pode ser um sinal emblemático. A derrota do governo chama a atenção. A aparentemente sólida base parlamentar de Temer — uma mescla do tucanato e seus aliados neoliberais mais próximos com o chamado “centrão” de natureza eminentemente fisiológica — tudo indica sofre fissuras.

Aqui acolá surgem desavenças esplícitas entre o PSDB e o núcleo peemedebista que governa com Temer.

O “mercado” mostra-se impaciente. Seu menino de ouro, o ministro Meirelles, a todo instante é alvo de “solidariedade”. Ontem, na Rádio Jornal do Commercio do Recife, o ex-militante de esquerda senador Cristovam Buarque manifestou apreensão quanto à possibilidade da substituição do ministro da Fazenda. Para ele, caindo Meirelles a situação se complicaria mais ainda.

Enquanto isso, a insatisfação da população em relação ao governo se amplia rapidamente. As pesquisas mais recentes revelam isso.

Os números da Datafolha são contundentes: 58% o consideram Temer desonesto; 75% o vêem comprometido com os interesses dos ricos e apenas 7% o acham preocupado com os pobres. Para 63% ele deve renunciar já.

Na última rodada Vox Populi, a aprovação de Temer despenca para 8% e o situa como o pior presidente da História.

A oposição manifesta-se em várias instâncias – no parlamento e nas ruas – ainda sem um norte comum, porém em intensidade crescente.

Nesse cenário, 2017 deve se iniciar sob temperatura elevada.

Quem se alinhará com quem? A pergunta eu a escuto com frequência, de militantes e de muita gente via redes sociais. “Não podem ser os mesmos aliados que traíram Dilma”, dizem alguns.

Depende. Para que possamos avançar, quem sabe conquistando a realização de eleições diretas antes mesmo de 2018, o conteúdo da plataforma – democracia, soberania, produção e emprego – que venhamos a construir é que ditará o desenho das alianças. E determinará a feição de uma frente ampla. A esquerda sozinha não avança. Impõe-se atrair forças ao centro. Quais?

Ora, esquerda, direita e centro – digamos assim, de modo simplificado -, refletem interesses de classe e de segmentos de classe reais existentes na sociedade. Individualmente, pode ser que muitos atores já não venham a marchar com a oposição. Mas surgirão novos representantes do sentimento de insatisfação da população.

Esta será uma variável significativa no evolver da situação após o réveillon. Preparemo-nos.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor