“Snowden – Herói ou Traidor”, tempos de Grande Irmão

Filme do cineasta estadunidense Oliver Stone trata da mutação de Snowden e dos riscos da espionagem dos EUA para o equilíbrio mundial.

Os estilhaços do torpedo lançado pelo jovem espião estadunidense Edward Joseph Snowden (1983) em 21 de junho de 2013, através dos jornais The Guardian, de Londres, e Washington Post, da capital dos EUA, reverberam neste “Snowden – Herói ou Traidor”. Atento, seu compatriota Oliver Stone (1946) passeia pelo thriller, ficção científica e drama amoroso para expor o sistema de espionagem cibernética da Casa Branca, cujo objetivo é o controle político, econômico e social do planeta.

Com o emblemático nome de Prisma, o Sistema de Vigilância Global da NSA (Agência de Segurança Nacional) parece brotar dos gibis e dos filmes de super-heróis, em que o vilão pretende dominar o mundo. A ficção passa longe da ilha de Oahu, no Havaí, de onde a agência espiona o fluxo de mensagens via internet e de ligações telefônicas de bilhões pessoas e chefes de estado, inclusive da Alemanha, França e Brasil. Além de lançar drones (aviões teleguiados) em alvos no Oriente Médio e no Afeganistão.

Nesta teia de interesses geopolíticos e pesquisas cibernéticas, Stone e seus corroteiristas Kieran Fitzgerald, Luke Harding e Anatoly Kucherena mostram o garoto Snowden sendo invalidado para o combate no Oriente Médio por quebrar as duas pernas em exercícios militares, em 2004, e ter curta experiência na CIA (Agência Central de Inteligência). Seu aprendizado até ingressar na NSA foi com TI (Tecnologia da Informação) e Mestrado on-line na Universidade de Liverpool, em 2011.

Ação de Snowden é só burocrática

Ao contrário dos filmes de espionagem, cheios de suspense e atos heroicos, Stone mantém cadenciada sua narrativa. As ações de Snowden (Joseph Gordon-Levitt) nada têm de espetaculares. Divide-se entre a burocracia, a montagem de programas (software) de computadores e sua relação com a companheira Lindsay Mills (Shailene Woodley). Assim, conta mais a forma como Stone estrutura a narrativa ao dividi-la em duas tramas: I – a ação de Snowden na NSA; II – sua fugidia relação com Mills.

Isto lhe permite tratar do tema central do filme: a mutação do jovem patriota que acreditava lutar para tornar os EUA mais prospero, influente e seguro, em oponente ao descobrir ser mero instrumento para a NSA atingir seus objetivos. Numa das assustadoras sequências do filme na gigantesca base de Oahu, o operador de drones (Logan Marsahall Green) diverte-se ao abater aviões no Iraque, como se fossem alvos de videogame.

Atitudes como estas levam Snowden a entender a natureza de seu trabalho: não se tratava de defesa, mas de ataque. Sempre reforçado pelas missões secretas para as quais era designado por seu chefe, o oficial Corbin O´Brian (Rhys Ifans). Então dá-se conta de que criava software não para o que acreditava, mas para reforçar a vigilância sobre os cidadãos do planeta, inclusive espionar chefes de estado aliados. Não à toa, a ex-presidente Dilma Rousseff (2011/2016), insurgiu-se contra Barak Obama.

NSA cria um mundo ficcional

Esta opção dramatúrgica torna a narrativa expositiva quando ocorre na base de Oahu, onde a Casa Branca e a NSA criaram um mundo ficcional, cheio de supostas ameaças da Rússia, China e Iran, alvos preferenciais de sofisticados sistemas de satélites, escutas, gravações, criptografias, para evitar “inesperados ataques”. Mas se transforma em reflexiva quando Snowden se insurge e passa a trocar impressões com Mills, mantida à margem de seu trabalho desde os tempos da CIA.

Tanto ele quanto Mills passam a entender o quanto estavam vulneráveis. Simplesmente por ele criar programas para atender aos objetivos da NSA e não o estar fazendo a contento. Não só para escapar às orientações de O´Brian, mas devido às ameaças impostas a bilhões de internautas plugados na rede mundial de computadores. O espectador então absorve o alcance da denúncia de Stone e de seus corroteiristas.

A própria montagem feita por Stone e Alex Marquez privilegia a contraposição, pondo-o a pensar na relação amorosa Snowden/Mills e na cumplicidade dela ao vê-lo atolado num ninho de najas, dotadas de bilhões de olhos. Vê-se pelas lições da dialética e da história que as predicações de George Orwell (1903/1950), em seu livro 1984 (1949), sobre o controle da massa pelo Grande Irmão, supostamente pela União Soviética, que o vigiaria 24 horas, se configurou nos EUA, como controlador de mentes.

Seguiu-se o medo de a máscara cair

Assim, a iniciativa de Snowden de divulgar documentos secretos da NSA segue a experiência da WikiLeaks, do jornalista australiano Julian Assanje, que em 2010 exibiu vídeo da queda de helicóptero Apache pelos EUA em 2007, matando 12 pessoas em Bagdá. Através dos jornalistas do The Guardian, Glenn Greenwald (Jeremy Sisto) e Ewin MacAskill (Tom Wilkinson) e da cineasta-jornalista Laura Poitras (Melissa Leo), diretora do documentário Citizenfour (Quarto Cidadão), ganhador do Oscar de 2015, ele alertou o mundo sobre a ameaçadora ação dos EUA.

Snowden – Herói ou Traidor. (Snowden). EUA/Alemanha/França. Drama, espionagem, thriller. 2016. 134 minutos. Música: Adam Peters. Montagem: Alex Marquez. Fotografia: Anthony Dod Mantle. Roteiro: Oliver Stone, Kieran Fitzgerald, Luke Harding e Anatoly Kucherena. Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Shailene Woodley, Tom Willkinson, Melissa Leo, Rhys Ifans, Jeremy Sisto.

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