Quase seis décadas de compromisso, mas a luta anticolonial persiste

Há 56 anos, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a histórica “Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais”, almejando encerrar o capítulo vergonhoso de uma história de opressão, dominação e subjugação. Casos como o do Saara Ocidental, da Palestina e de Porto Rico continuam pendentes, porém, não sem obstinada resistência, respaldada por movimentos anticoloniais e anti-imperialistas construídos nessa luta.

Em 14 de dezembro de 1960, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 1514 (XV) para declarar politicamente o direito dos povos à autodeterminação e à independência. Em pleno século 21, entretanto, vemo-nos confrontados com as remanescências anacrônicas do colonialismo, ainda que travestido de outros estatutos.

Em 1960, a ONU admitia 19 novos Estados membros e, pouco antes da Declaração, em 1955, eram 16 os novos países acolhidos, num processo acelerado de descolonização. Também em 1955 acontecia a histórica Conferência de Bandung entre 29 países asiáticos e africanos, na Indonésia. Líderes e movimentos de libertação nacional reuniam-se para afirmar a continuidade e a expansão da luta dos povos sob dominação estrangeira.

Nasce neste processo, em 1961, o Movimento dos Não Alinhados – hoje composto por mais de 100 países – que a terminologia hegemônica durante a Guerra Fria taxou de “descomprometido”. Já em janeiro de 1966, a Conferência Tricontinental reuniu mais de 700 participantes – entre delegados e convidados de cerca de 80 países – em Havana, onde nasceu a Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, da África e América Latina (OSPAAAL).

Entre os objetivos está uma transformação do sistema que promoveria também uma nova ordem econômica internacional, rejeitando os avanços neocoloniais e imperialistas que ainda hoje ameaçam países independentes. A luta anticolonial e anti-imperialista é, por isso, extremamente atual, guiada pela defesa da soberania popular e nacional contra as investidas e a dominação estrangeiras e respaldada pela solidariedade internacionalista na luta por emancipação.

Nomes como o de Frantz Fanon, da Martinica, Mehdi Ben Barka, do Marrocos – coordenador da Conferência Tricontinental, mas que foi assassinado antes da sua realização –, Ahmed Ben Bella, primeiro presidente da Argélia independente, Amílcar Cabral, da Guiné-Bissau, Patrice Lumumba, que se tornaria o primeiro-ministro da República Democrática do Congo, e o do próprio Che Guevara, entre outros, ficaram marcados na história da luta anticolonial e da perseguição que matou muitos deles.

 

A Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais é um pilar de diversas ações no seio da própria ONU que afirmam rejeição à persistência da situação da Palestina, do Saara Ocidental e de Porto Rico, entre outros, servindo de referência também ao reconhecimento do direito dos povos de resistir à colonização e à ocupação estrangeira.

Por exemplo, em 1975 o Tribunal Internacional de Justiça emitiu uma Opinião Consultiva sobre o Saara Ocidental, com base na Declaração de 1960, para concluir, após exame aprofundado, que nem o Marrocos nem a Mauritânia tinham “perdido” o território quando da colonização espanhola para justificar sua reivindicação a despeito da vontade e do direito do povo saráui à autodeterminação, após a retirada da Espanha. Até hoje, entretanto, o Reino do Marrocos segue ocupando o território e o Saara Ocidental segue sendo a última colônia africana lutando pela autodeterminação através da realização de um referendo desde então impedido pela ocupação marroquina.

Além disso, o Comitê Especial da ONU sobre a Descolonização já aprovou mais de 30 resoluções a respeito da situação de Porto Rico, ainda hoje sob colonização estadunidense. Em junho de 2016, o Comitê voltou a instar os EUA a promover novas consultas sobre a autodeterminação do povo porto-riquenho, a reavaliar a prática e o estatuto de território autônomo conferido a Porto Rico e a libertar Oscar López Rivera, que está há 35 anos encarcerado por lutar pela independência do seu país. O Comitê requisitou ainda que a Assembleia Geral da ONU considere a questão, de forma mais abrangente.

Diversas resoluções também reconhecem o direito dos povos sob ocupação à resistência e à luta por libertação, inclusive armada. Uma resolução de 29 de novembro de 1974, por exemplo, “reafirma a legitimidade da luta popular por libertação da dominação colonial e da subjugação estrangeira através de todos os meios possíveis, inclusive a luta armada”, além de condenar “firmemente todos os Governos que não reconhecem o direito à autodeterminação e independência dos povos sob dominação colonial e subjugação estrangeira, notavelmente os povos da África e o povo palestino.”

Em 1969, porém, o conhecido advogado argelino Jacques Vergès, que tentava defender os comandos palestinos após os ataques contra a companhia aérea israelense El Al, envolvida na logística de operações militares, mostra-se cético quanto ao vigor de um direito cuja natureza servia à proteção dos interesses dos detentores do poder. Como ele, o palestino Ghassan Kanafani rejeita o “moralismo burguês” e adere ao ceticismo em uma entrevista à New Left Review, em 1975, quando a resistência armada parecia ser a única possibilidade.

Um dos legados da luta anticolonial, entretanto, é o uso do direito internacional para a promoção da soberania e da autodeterminação e também da legitimidade da resistência, direitos consagrados em diversos instrumentos, como os mencionados acima. A Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais é um deles, conquistado justamente por causa da mobilização anticolonial, e fica evidente a sua atualidade.

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