“O Plano de Maggie”, de outro jeito

Ao transitar pela comédia de costumes e o drama moderno, cineasta estadunidense Rebecca Miller discute a conformação de parceiros e casais.

Não à toa a confusão plantou-se na cabeça dos irados conservadores. O que antes lhes parecia eterno, com papéis bem definidos, mudou de tal forma que os desorientou. A arte, ao refletir sobre as mutações sociais, termina por configurar o novo e soterrar o arcaico. Neste “O Plano de Maggie”, a cineasta Rebecca Miller (O Mundo de Jack e Rose, 2005) e sua corroteirista Karen Rinaldi expõem a nova conformação de casais e parceiros, mostrando que eles tipificam a mutação da sociedade.

Valendo-se de técnicas da comédia ligeira hollywoodiana dos anos 30/40, que joga com a contínua mudança de papéis (A Costela de Adão, George Cukor, 1949), a dupla expõe com naturalidade o que antes parecia radical, mas tornou-se hoje corriqueiro. A começar pela matização da mulher solteira e independente através da jovem Maggie (Greta Gerwig), professora de universidade novaiorquina, ao decidir engravidar por inseminação artificial, tendo o amigo Guy (Travis Fimmel) como doador.

Miller aboliu, inclusive, a mediação médica, Maggie usa o método direto de coleta, numa hilariante e corrosiva sequência. Isto desconstrói a novidade, lançando-a ao rol de opções que só à mulher cabe. Nem ela ou Guy tratam da responsabilidade pela criança, porquanto se trata agora da constituição de família disfuncional, com a mulher assumindo as funções materna a paterna. O que faz os irados conservadores e os ferozes fundamentalistas terem urticária e sonharem com o mundo de Adão e Eva.

Homem surge desnorteado

Toda a primeira parte da narrativa é construída com estas sutis tramas e saltos de tempo. É quando Maggie fica às voltas com passeios da filha pelo Central Park, levando-a à escola ou brincando em seu apartamento. Milhões de mulheres ou homens solteiros ou LGBTs o fazem planeta afora, inúmeros por terem adotado crianças desamparadas. Contudo, as novas e complexas relações familiares e amorosas destituem o homem de suas antigas funções de cabeça do casal, como as do professor e escritor John (Ethan Hawke).

Ao surgir na sequência do jantar em casa com a filha adolescente e o filho pequeno, ele está em meio à conversa com a companheira Geogette (Julianne Moore). Não discutem as contas do mês, mas quem deve levar e pegar os filhos na escola. Ambos são professores de universidade, estão a escrever livros e, em suma, cuidam da tripla rotina da família. Então, ao contrário de Maggie, pulando de um lado ao outro, ele se mostra hesitante, desnorteado, tendo de conciliar trabalho, projetos de livros e a família.

Trata-se do novo papel do homem. Não daquele sentado à cabeceira da mesa, exercendo seu simbólico papel de chefe, mas entregue ao diálogo, à divisão das tarefas com a mulher e encontrando tempo para os filhos e afazeres pessoais. Este é o viés dramático da terceira parte deste “O Plano de Maggie”, por introduzir o charme do tigre em incessante busca da presa fugaz. Mas o indeciso e atabalhoado John se encanta com Maggie e embaralha seu papel nas relações com os dois filhos e a ex-Georgette.

Maggie acaba penalizada

Fato sem dúvida emblemático, dado ao número de homens que vivenciam igual situação, desdobrando-se entre os filhos mais velhos e os mais novos. Quem termina se envolvendo, tendo triplas tarefas, é Maggie, a quem cabe dividir com ele o cuidado não de uma criança, mas de três, numa família longe de tradicional, mas enviezadamente disfuncional, pois também Georgette termina a ela se agregando. E se Miller enfatiza a trama com gags (o fazer rir), a dramatiza ao enfatizar as tarefas de Maggie.

Ainda assim, a dupla Miller/Rinaldi tem o olhar atento às armadilhas narrativas ao ampliar sua exposição nestes tipos de situações. Dentre elas, a de não carregar demais no drama ou na comédia. Se Maggie tem seus solos de dengos, de manipular o frágil John, igual à sequência em que se mostra exaurida, Georgette tem seus instantes de prima-dona, de ciúme, de chantagem. Justo na terceira parte, onde a abordagem do novo atesta o quanto cientistas e intelectuais têm seus momentos de cidadãos comuns.

Deste modo, Miller, ao invés de fazer concessões, o que seria lastimável, consolida sua aguçada abordagem. Entrelaça na mesma sequência no Central Park a independente Maggie entregue à sua própria vivência, a de John compartilhando a sua com Georgette e os filhos de ambos se mantendo juntos. Entretanto, Maggie não se furta a compartilhar sua vida com outro companheiro. Só se mostra mais experiente, confiante e livre. Esta visão de Miller, por certo, reflete as mutações sociais de hoje, os raivosos conservadores ao boicotá-las só atestam seu primitivismo.


O Plano de Maggie. (Maggie´s Plan). EUA. 2016. 99 minutos. Música: Michael Rohatyn. Montagem: Sabine Hoffman. Fotografia: Sam Levy. Roteiro: Rebecca Miller/ Karen Rinaldi/ Direção: Rebecca Miller. Elenco: Greta Gerwig, Ethan Hawke, Julianne Moore, Travis Fimmel.

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