O Gollum Temer e a sombra de Mordor 

Definitivamente vivemos tempos estranhos e sombrios. Olhamos para os lados e, a cada instante, uma desagradável surpresa espreita, pronta a saltar sobre nós, afiadas presas de olho em presas indefesas. É impossível não recorrer, uma vez mais, à literatura, sempre prestimosa em nosso socorro.

Os tempos de hoje me fazem lembrar de “O senhor dos anéis”, do britânico Tolkien. Embora ele negasse com veemência que sua obra continha qualquer alegoria, é praticamente impossível não vermos, na sombra de Mordor, a veste negra do fascismo europeu no pré-guerra.

Sempre penso nessa imagem, na sombra de Mordor, que se aproxima da Terra Média, e que avança sobre países e povos. No Brasil de hoje, a sensação que dá é que, há alguns anos, uma sombra se aproxima perigosamente de nós.

Os acontecimentos mais recentes parecem indicar que a sombra cresce e ganha terreno. Embora atores os mais diversos façam questão de dizer que tudo está bem, que “as instituições estão funcionando normalmente”, o que vimos é o mais completo caos e as escaramuças de uma guerra não declarada formalmente entre os poderes da República.

Abundam, no Brasil de hoje, os personagens de Tolkien. Aqueles senhores e senhoras com suas risíveis capas negras e esvoaçantes, feito um Batman querendo enxergar o futuro com os olhos voltados para o passado, lembram os nazgûls, os espectros do anel. Confesso que eles me dão medo, muito medo. Haroldo Lima tem toda razão ao falar em “arreganho da pior ditadura”. A imagem é essa mesma, um judiciário que arreganha os dentes, pronto a morder a democracia, exatamente como aqueles espectros dos quais falei.

Ver juízes e integrantes do Ministério Público se portando como crianças mimadas, batendo o pé e dizendo que só brincam se puderem ditar as regras da brincadeira chega a parecer cômico, não fosse uma tragédia assustadora. Não personificam mais a Lei e a Justiça, pois que se colocaram perigosamente acima das duas. Não admitem nenhum controle, nenhuma crítica. Saíram do plano dos humanos, dos mortais, para um patamar superior, o das suas supremas vontades e vaidades, onde reinam divinas convicções.

Neste universo brasileiro com toques de Tolkien não faltam candidatos a Gollum. Um deles, provisoriamente, agarrou o anel. Não é o mais esperto entre os Sméagols, é bom que se registre, mas foi certamente dos mais pérfidos e traiçoeiros. Agora, agarra-se desesperadamente ao “um anel” (desculpem-me, à faixa presidencial), sob os olhares cúpidos de outros golluns, como o playboy de Minas e o careca e o santo de São Paulo. Ao Gollum temeroso que se refugiou em uma caverna no Planalto, a faixa, tal qual o “um anel”, pesa-lhe como uma maldição, lhe consome e lhe torna cada vez menor. Ele desaparece a olhos não-vistos e fica cada vez mais próximo do seu real tamanho.

Há, ainda, uma tropa barulhenta de orcs. Bolsonaros, Frotas, Kataguiris, Hollidays, parecem sair daquelas oficinas de Saruman. Verdade que não há, dentre eles, nenhum capaz de se dizer um Azog, um uruk, embora profanos todos eles. Na extrema direita tupiniquim sobra bravata e escasseiam neurônios, mas ainda assim eles são um perigoso bando de orcs, prontos a destruir tudo pela frente e a brigar entre si, como têm feito tantas vezes ultimamente.

Não falta, no Brasil de Tolkien, nem mesmo Grima Língua de Cobra. Talvez seja esse um dos mais abundantes personagens, em redações de jornais e emissoras de televisão, ou sussurrando em palacetes e alcovas.

Certo é que uma sombra se aproxima de nós. Uma sombra negra, que beira o fascismo. Um golpe aproximou mais essa sombra de nós. Um golpe dentro do golpe, como parece se tramar, pode aproximá-la mais ainda.

A questão do momento é por quanto tempo o Sméagol Temer conseguirá manter o “um anel” antes de ser devorado, por orcs ou por outros golluns. A questão crucial é o que virá depois dele. Quem é o Sauron que nos espreita desde a escuridão de Mordor?

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