USA: A “democracia” que a direita brasileira deseja

Quando o desespero eventualmente se abater sobre você, lembre que nada é eterno, que tudo que nasce deve morrer e que tudo, absolutamente tudo, está em constante movimento e transformação.

A direita brasileira desejaria dispor de um sistema que lhe permitisse controlar eternamente o governo sem ter que disputar eleições, onde, às vezes, os eleitores se tornam rebeldes. Como isso só é possível nas ditaduras sangrentas – como a que eles patrocinaram no Brasil, em 1964 – então eles já se dariam por satisfeito com o atual sistema eleitoral americano, onde já se sabe de antemão se o presidente será democrata ou republicano. Não há risco de fugir desse manual.

O sistema eleitoral americano é atual objeto de desejo da direita tupiniquim. Ali não há eleição direta. Um colégio eleitoral de apenas 538 delegados decide tudo, inclusive tornando presidente aqueles que têm menos votos, como acaba de acontecer na disputa Hillary x Trump.

Mas não se vota em outros candidatos?

Sim, num verdadeiro faz de contas, tal qual a eleição geral, onde o eleitor finge que decide e o sistema finge que acredita.

Na eleição realizada em 8 de novembro em torno de 218 milhões de eleitores estavam aptos, dos quais em torno de 126,8 milhões participaram do processo. A democrata Hillary Clinton obteve 60.839.922 (47,8%), mas só conquistou 232 delegados. Seu adversário direto, o republicano Donald Trump chegou a 60.265.858 (47,3%), ou seja, menos 574.064 votos, mas obteve 306 votos no colégio eleitoral e é o novo presidente americano.

Os demais candidatos não conquistaram nenhum delegado, embora tenham obtido quase 6 milhões de votos. Esses candidatos, distribuídos num espectro ideológico que vai do centro a extrema direita, tiveram o seguinte desempenho: Gary E. Johnson (Libertário) 4.123.062 votos (3,3%); Jill Stein (Verde) 1.237.116 votos (1,0%); Evan McMullin (Independente) 437,783 votos (0,3%) e Darrell Castle (Constituição) 180.632 votos (0,1%).

Isso é o que se chama democracia restritiva – objeto de desejo da direita brasileira. É mais ou menos como ocorria no Brasil na época do colégio eleitoral da ditadura militar e, mais atrás, quando só podia votar homens, letrados e de posse, ou seja, pobres e mulheres não pertenciam a esse mundo.

Numa entrevista concedida pelo cineasta americano Michael Moore, antes do pleito, ele elenca as principais causas que, segundo o seu entendimento, levariam Trump à vitória. Dentre essas causas ele destacava a revolta dos desempregados do cinturão industrial do Meio-Oeste; o reacionarismo do homem branco e nervoso, preocupado com o avanço das mulheres; a própria antipatia de Hillary; a falta de paixão dos eleitores de Sanders em relação a Hillary; e o caráter brincalhão e debochado do eleitor, querendo provocar uma chacoalhada, como fez quando elegeu um lutador de luta livre (Jesse Ventura) para governador de Minnesota.

Se a eleição de Trump serviu para alguma coisa foi para evidenciar a caricatura que é a “democracia” americana – que a direita brasileira deseja como modelo – e alertar para o perigo que nós corremos, na medida em que a reforma política que eles estão aprovando a “toque de caixa” no congresso tem exatamente esse conteúdo: restritivo, reacionário e anti-povo.

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