“Lenin em 1918”, entre complôs e fome

Cineasta russo Mikhail Romm tece mosaico do início do Governo Soviético pondo Lenin em meio a boicotes, invasão imperialista e o apoio popular.

”É mais difícil manter o poder que tomá-lo”, explica Lenin (Vladimir Ilitch Ulianov, 1870/1924), presidente do Conselho dos Comissários do Povo, a centenas de operários da fábrica de Munição Mikhelson que o ouvem em meio aos problemas enfrentados pelo Governo Soviético em 1818. Dentre eles a fome provocada pelo boicote dos latifundiários em todo país, a invasão das tropas inglesas, alemãs e tchecas, os complôs da burguesia e da nobreza russa e a tentativa de assassiná-lo.

Com este rol dramático, o cineasta russo “Mikhail Romm (1901/1971) e seu roteirista Alesei Kapler (1903/1979) montam seu díptico “Lenin em Outubro (1936) “e “Lenin em 1918” (1939) sobre as ações do líder da Revolução Russa na construção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS/1917/1992). E desdobram a narrativa em várias tramas que se desenvolvem em seu gabinete, nas salas dos contrarrevolucionários, nos campos de batalha e no Teatro Bolshoi.

Em primorosa montagem de E. Abdirkinov, o espectador se vê numa multiplicidade de situações, nas quais os comunistas se multiplicam para consolidar o poder. A dupla Romm/ Kapler que no primeiro filme faz Lenin dividir a ação com o Governo Kerensky (1917), agora concentra nele a narrativa para fazê-lo emergir como chefe de governo, comandante das forças soviéticas, teórico e o homem de ação. Mas sobretudo ser humano.

Lenin decide combater boicote aos alimentos

Estas facetas se evidenciam em seu gabinete ao receber o escritor (A Mãe, 1906/1907) e dramaturgo (Pequenos Burgueses, 1901) Máximo Gorki (1868/1936) e ouvir dele reivindicações de escritores e cientistas. Ou quando se concentra na garotinha Natasha cuja aflitiva situação o preocupa. “(Perdi) mamãe, ela morreu de fome. (Agora) não tenho (mais) ninguém”. Ele decide então combater os latifundiários por boicotar o governo soviético, escondendo seu estoque de alimentos.

Romm mostra seu modo de agir na rápida conversa com o polonês Félix Dzershinsky (1877/1926), diretor da Polícia Secreta, a Cheka (1917/1922). “Você tem detidos aí grandes especuladores de pão. É imprescindível apresentá-los imediatamente ao tribunal, informar amplamente a população sobre isso e anunciar que vamos perseguir cada especulador como inimigo mortal, organizador da fome. É preciso jogar todas as forças na salvação das crianças”. A solução foi a brigada de coleta do pão.

Ao construí-lo como personagem o ator/sósia Boris Shchukin o transforma num brincalhão ao receber Gorki e o oficial Vassily (Nikolai Tsherkasov), no estrategista preso a detalhes no mapa dos combates e dos territórios reconquistados ou se tornar maleável e irônico ao rebater as críticas do camponês que reclama da severidade do governo soviético contra sua classe por confiscar sua produção para alimentar o povo russo.

Opressor dita a reação do oprimido

Segundo Lenin as exigências soviéticas nada representam diante das perseguições, castigos e explorações impostas pelos latifundiários por séculos aos camponeses. “A severidade de nossos dias está forçada pelas condições da luta. (Com o tempo) essa severidade será compreendida e justificada”. Ou seja, a reação do oprimido é ditada pelo opressor. E o Lenin de Shchukin, ao ser filmado em plano aproximado, se torna dominador ou suave, dependendo do interlocutor e da situação.

No entanto, essa mescla de estética e conteúdo, realçada pela fotografia de Boris Volchek, com focos em profundidade de campo, pontua as ações de Lenin e dos contrarrevolucionários. Principalmente nas sequências que se passam no Bolshoi durante a apresentação de “O Lago dos Cines” (1875/1876), de Piotr Ilitch Tchaikovsky (1840/1893), quando os conspiradores articulam o atentado, mas sofrem o baque da execução do Czar Nikolau II (1868/1918).

Como em “Lenin em Outubro”, “Lenin em 1818” (distribuídos pelo CPC-UMES) é estruturado para o carisma, a energia e a lucidez do líder comunista envolver o espectador, como na sucessão de sequências alternadas a gerar o suspense do desfecho. Isto com os conspiradores e o assassino à espreita, Lenin deixando à fábrica, o assassino em ação ou as centenas de operários em pânico na rua, enquanto outros o socorrem.

Romm dá lição de cinema

É quando se vê a riqueza da montagem dialética criada pelo cineasta russo Serguei Eisenstein (1898/1948), em “O Encouraçado Potemkin” (1925). Percebe-se o esplendor do cinema soviético nos anos 20/30/40 do século XX e sua contribuição para a cinematografia mundial. Romm, professor de Andrei Tarkovsky (1932/1986), diretor de “Solaris” (1972), no Instituto de Cinematografia Gerasimov (UGIK), dá lição de cinema.

É o cinema político mesclando técnicas de filme de ação para popularizar seu tema, a exemplo da explicação de Lenin aos operários na fábrica: ”Essas revoltas se alimentam dos imperialistas de todos os países. E se organizam com o auxílio dos social-revolucionários e dos mencheviques. Comportamento típico das gangues social-revolucionárias, assim como da violência dos kulaks (…). É uma guerra (…) contra a Rússia Soviética”.


Lenin em 1918. URSS. Drama. 105 minutos. 1939. Música: Nikolai Kryukov. Montagem: E. Abdirkinoy, Fotografia: Boris Volchek. Roteiro: Aleksei Kapler. Direção: Mikhail Romm. Elenco: Boris Shchukin, Nikolai Tcherkasov, Vassily Markov, Nikolai Okhlopkov.

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