“O Homem Que Viu o Infinito”, entre crença e razão

Em cinebiografia do matemático indiano Srinivasa Ramanujan, cineasta inglês Matthew Brown opõe fé a racionalismo para reafirmar suas teorias.

Em tema aparentemente árduo, por envolver complexas equações e teoremas, o matemático indiano Srinivasa Ramanujan (1887/1920) é tratado pelo cineasta inglês Matthew Brown, neste “O Homem Que Viu o Infinito”, como o jovem capaz de cativar o espectador por sua genialidade. Ainda mais ao se envolver em acalorados debates com seu orientador no elitista Trinity College, Godfrey Harold Hardy (1887/1947), em Cambridge.

Ao alternar a ação entre Ramanujam (Dav Patel) e Hardy (Jeremy Irons) Brown traduz a visão do indiano da casta Brahman, de Erode, região de Madras, hoje Chennai, e do inglês cujo pai foi professor de escolas secundárias, mas venceu por sua luta. Enquanto ele, tendo deixado a companheira Jamaki Ammal (Devika Bhise) e a mãe Amma (Arundathi Komlatam), que o recomendara não “se contaminar com a comida dos ingleses”, por ser vegetariano, enfrenta resistências às suas teorias.

A narrativa, porém, se desdobra nos embates entre os dois, sem que ele oponha sua crença hinduísta ao racionalismo do mestre inglês. Inclusive deixa de explicar como elaborou uma de suas mais difíceis formulações: “Como você sabia sobre aquele teorema?”, indaga Hardy. E ele lhe responde, calmamente: “Apenas me ocorreu”. Isso dá impressão de que suas formulações são espontâneas, brotadas enquanto as elabora.

Para Ramanujan Deusa o ilumina

Ao orientador interessa não só a exposição, mas também o que a engendra. Até eles se defrontarem num instante de dificuldade para Ramanujan, e este, afinal, revela ao ateu Hardy, que “minha deusa Namagiri fala comigo. Põe fórmulas na minha língua, enquanto durmo, às vezes quando oro”. E mais: “Uma equação não significa nada para mim, a menos que expresse o pensamento de Deus”.

A perplexidade de Hardy ao se opor a suas respostas mostra o quanto divergem: ”Não acredito em Deus, em nada que não possa provar. Nem na sabedoria do Oriente, mas acredito em você”, afirma, lembrando-se da tese P de 4, de Ramanujan, sobre partições. Isso significa que há cinco maneiras de obter o 4: 1+1+1+1; 3+1; 2+1+1; 2+2, e 4. Mas ao mudar o número para P de 100, há 204 mil e 226 combinações.

Esta construção dramatúrgica atesta a tendência dos cineastas britânicos em construir a narrativa através do confronto entre dois personagens de forte personalidade. A exemplo de “Becket, O Favorito do Rei” (1964), no qual o diretor Peter Glenville opõe o Arcebispo de Canterbury (Richard Burton) ao Rei Henrique II (Peter O´Toole), ou Tom Hopper ao pôr o rei George VI (Colin Firth) sob a orientação de seu redator de discurso Lionel Logue (Geofrey Rush), em “O Discurso do Rei” (2010).

Professor o expulsou da sala por ser gênio

Contudo, se a oposição crença/ateísmo domina a narrativa, Brown a reforça com a resistência à Ramanujan no Trinity College. Professores e alunos britânicos o tratam com desprezo, racismo e inveja, enquanto ele ignora-os, por já viver sob a barbárie colonialista inglesa em seu país. O ódio feroz vem do professor Howard (Anthony Call), que se sente insultado por ele desenvolver na lousa toda equação, quando “queria exemplos”.

“Não faça uma gracinha dessas na minha aula. (Você) não pertence a este lugar e pode dizer isto a Hardy. Agora saia daqui”!, grita expulsando-o da sala aos bofetões. Até a diretoria da Universidade, onde estudam outros indianos, preferia vê-lo distante. A ojeriza a ele era tanta que durante a I Guerra Mundial (1914/1918) seus colegas de sala convocados para as batalhas o espancam, chamando-o de “negro e gênio indiano”.

Para amalgamar ainda mais a epopeia do herói trágico, Brown usa a tuberculose que o acomete para mostrar sua luta por reconhecimento. Porque só Hardy, o filósofo Bertrand Russel (1872/1970) e o também matemático John Littlewood (1885/1977) respeitam seus tratados. E pressionam até o Conselho publicar sua Teoria das Partições e o admitir como membro da Real Sociedade de Matemática.

Ramanujan estudou Matemática em Rode

No entanto, Brown ao construí-lo como o autodidata, a partir do livro do escritor Robert Kanigel, deixou de lado sua formação no Liceu de Kumgako, na Índia, onde aprendeu séries matemáticas e geométricas e aos 15 anos solucionou equações de 3º e 4º graus. Mas foi o matemático inglês George Shoobridge, da Universidade de Cambridge, que o influenciou com seu livro ”Sinopses de Resultados Elementares de Matemática Pura”, contendo seis mil equações e teoremas.

Entretanto, ao falecer aos 32 anos, em 1920, em Kumbakonam, Índia, deixou um caderno com novas fórmulas, só encontrado em 1976. Hoje elas ajudam os cientistas a entenderem os buracos negros. Não fosse o contabilista indiano Narayana (Dhiritiman Ghaterji) do porto de Erode, onde ele trabalhou como escriturário, o ter incentivado: “Se você, um indiano, chegar ao auge com essas fórmulas, os britânicos, mesmo nos subjugando, terão de reconhecer que também somos brilhantes”, estaria esquecido.

O Homem que viu o Infinito. (The Man Who Knew Infinity). Drama. Reino Unido. 2015. 108 minutos. Música: Coby Brown. Edição: JC Bond. Fotografia: Larry Smith. Roteiro: Matthew Brown, baseado no livro do escritor Robert Kanigel. Direção: Matthew Brown. Elenco: Dev Patel, Jeremy Irons, Devika Bhise, Tob Jones, Jeremy Northan, Stephen Fry.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor