O que é mesmo inconstitucional?

Se for verdadeira a máxima de que “diz-me com quem tu andas e eu direi quem tu és”, a proposta de emenda constitucional (PEC 241) que congela as despesas públicas por 20 anos é a expressão acabada desse preceito bíblico e, por isso mesmo, recebeu apoio entusiasmado do Fundo Monetário Internacional (FMI), evidenciando a que interesse ela está subordinada. Simples assim.

A PEC, de autoria do “governo” Temer, foi recebida com repulsa pelos partidos de esquerda e pela unanimidade dos movimentos sociais (sindical, juvenil, comunitário). A Procuradoria Geral da República (PGR) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também protestaram alegando que tal medida fere a autonomia e independência dos poderes.

A verdade é que a PEC 241 é apenas mais uma afronta constitucional, dentre tantas que se tem praticado no Brasil, não apenas sem qualquer contestação do judiciário como, em certa medida, com o próprio patrocínio deles.

A fila é longa. Vai do golpe parlamentar que depôs a presidenta Dilma sem que seus acusadores tivessem conseguido demonstrar um único crime contra ela, salvo um genérico e patético "conjunto da obra", e avança para prisões e escutas ilegais, conduções coercitivas arbitrárias, além de um rosário infindável de agressões às normas legais e constitucionais.

A ciência nos ensina que quando não se reage diante do arbítrio – na vã ilusão de que somos imunes a ele – em algum momento todos nós seremos vitima dele, como acaba de se constatar pela posição da PGR e do STJ.

Assim, a PEC que limita os gastos públicos não agride apenas a autonomia dos demais poderes, como corretamente vem alertando o STJ e PGR, mas elimina o próprio princípio federativo ao exigir que os estados adotem igual procedimento e decreta, por antecipação, a precarização dos serviços públicos.

O protesto da PGR e do STJ, embora justo, é tardio e atemporal. Deveriam ter agido para impedir que a tropa se armasse, ou seja, impedindo o golpe. Uma vez armada, a tendência natural de uma tropa é atirar contra aqueles que eventualmente tentarem impedir a execução de seus objetivos e interesses, específicos ou de seus prepostos, no caso dos Estados Unidos da América.

Pelo menos a PGR poderia ter agido para impedir que barbaridades como essa e outras de igual potencial deletério e antinacional, que igualmente estão sendo anunciadas, fossem eliminadas no nascedouro. Bastava ter se levantado contra o golpe, na medida em que ninguém pode alegar desconhecimento das reais intenções dos golpistas.

Todas essas medidas, justiça seja feita, foram sistematicamente por nós denunciadas e por eles sustentada. Dizíamos – e os fatos estão demonstrando – que eles executariam o golpe contra a presidenta Dilma exatamente para voltar a aplicar a política de desmonte do estado nacional. Prometeram o serviço ao “deus mercado” e estão entregando a mercadoria.

A PEC que congela os gastos públicos é a expressão concentrada do que eles pretendem fazer, especialmente através de 04 medidas básicas: restringir a ação da “lava jato” aos adversários políticos; parar ou restringir os programas sociais; retirar direitos sociais e trabalhistas (reforma da CLT e da previdência, por exemplo) e retomar as privatizações, especialmente a entrega do pré-sal às empresas estrangeiras.

Só os muito ingênuos (e certamente há gente assim) ou os muito cínicos (e há muitos) ainda procuram justificar o golpe por pedaladas fiscais e decretos, negadas até mesmo pelo Ministério Público Federal. Todos sabem que a presidenta foi afastada porque perdeu apoio político, o que não enseja em perca de mandato no regime presidencialista. Não há, portanto, outro nome a não ser golpe o que foi feito no Brasil.

Assim, quando a PGR e o STJ protestam contra a PEC de congelamento de gastos públicos, argumentando que ela fere a autonomia dos demais poderes e, portanto, é inconstitucional, uma pergunta é inevitável: e o afastamento da presidenta, sem crime que justifique tal arbitrariedade, é o quê?

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