Eu tenho medo do que está por vir 

O cantor e compositor cearense Belchior fará 70 anos daqui a alguns dias, sem que se saiba ao certo por onde ele anda. Mesmo com a sua ausência já acontecem uma série de homenagens e se programam outras ao longo do mês. Mas eu volto a falar sobre as homenagens a Belchior em outra ocasião. Por hoje, quero escrever sobre o medo. Em “Pequeno mapa do tempo” Belchior escreve sobre o medo: “Eu tenho medo e já aconteceu/ Eu tenho medo e inda está por vir”.

Os versos de Belchior soam proféticos. Belchior viveu o medo da ditadura, e sabia que esse medo sempre pode voltar. Como ele disse, já aconteceu mas ainda está por vir. Nada que defina melhor os dias que vivemos. São dias sombrios, de escalada do medo, da violência policial, da violência jurídica, da repressão, da retirada de direitos, da entrega de riquezas do nosso país.

Acontecimentos recentes fazem com que temamos pelo futuro, com que tenhamos a certeza de que há um cerco de autoritarismo se fechando ao redor de nós, uma sombra de terror a sufocar nossa jovem democracia. É bom que relembremos pelo menos alguns desses acontecimentos.

Um juiz que se considera um Deus acima de todos é autorizado a usar “métodos excepcionais” por uma corte que afirma que “problemas inéditos exigem soluções inéditas”, ainda que à margem da lei e da constituição. O próprio juiz afirma que “estamos em tempos excepcionais”. É a própria justiça a reconhecer que vivemos um estado de exceção, e que as leis que temos não se aplicam a esse momento.

Outro juiz condena uma atriz e apresentadora apenas porque ela falou a verdade, porque ela relatou um fato, porque ela publicou aquilo que já é público, que um ministro do STF concedeu Habeas Corpus a um acusado de meia centena de estupros. A liberdade de expressão foi enterrada pelo juiz, que condenou a atriz por ter “extrapolado a liberdade de expressão e atingido a honra do ministro”.

Um desembargador que mandou prender um ladrão de salame que passava fome, condenando-o a seis meses de cadeia, consegue a anulação dos júris que condenaram os policiais responsáveis pelo massacre do Carandiru, e ainda pede a absolvição dos mesmos. O desembargador alega que os PMs agiram em legítima defesa ao executar 111 presos, a maioria deles assassinada com tiros na cabeça e no pescoço e com balas de diferentes calibres.

Por falar em PM, de uma ponta a outra do país sucedem-se os casos de abuso. É só lembrarmos as cenas no Paraná, com professores sendo violentamente espancados; ou os professores e estudantes de São Paulo sendo caçados nas ruas à luz do dia, por uma polícia sem controle; ou da jovem que perdeu o olho pela ação da polícia; ou dos 11 jovens mortos em Fortaleza no ano passado pela ação da polícia, sete dos quais menores de idade, oito deles sem antecedentes criminais, sendo os três restantes acusados de crime de trânsito, falta de pagamento de pensão alimentícia e ameaça, no episódio conhecido como chacina da Grande Messejana.

A mais recente das truculentas ações da polícia aconteceu também em Fortaleza, onde um capitão da PM disputa a prefeitura. No último domingo, quase ao final do processo de votação, a polícia protagonizou um show de brutalidade contra três jovens militantes e dirigentes comunistas. A agressão estendeu-se ainda ao Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado, o ex-senador Inácio Arruda, e à sua companheira, a médica Teresinha Braga. As jovens agredidas eram Nara Arruda, médica, militante da UJS e filha de Inácio e Teresinha; Germana Amaral, presidente da UJS Ceará e diretora da UNE; e Andréa Oliveira, Secretária de Comunicação do Comitê Estadual do PCdoB.

Todos esses episódios, que não são atos isolados da polícia e do judiciário, apontam para um cenário extremamente perigoso, de violência desenfreada e de autoritarismo crescente.

Há pessoas que têm medo de usar certas palavras. Parece que é natural em nós, temer a força delas. Por isso criamos tantos nomes para significar o diabo, por isso temos medo de falar em voz alta certas doenças. Por isso, penso, alguns acham que não devemos chamar o momento que vivemos pelo seu nome real.

Da minha parte, a escalada de medo, violência e autoritarismo que presenciamos só merece um nome, velho conhecido da humanidade. Os tempos que vivemos são tempos de renascimento do fascismo.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor