“Jom ou a história de um povo”, o que provoca a resistência

Em alegoria sobre a opressão, cineasta senegalês Ababacar Makharam traça paralelo entre o colonialismo francês e a exploração burguesa atual.

Em narrativa matizada pela oralidade que assume, neste “Jom ou a história de um povo”, a condução dos entrechos num elucidativo vai e vem imagético, o cineasta senegalês, Ababacar Samb Makharam (1934/1987) usa o feiticeiro Khaly para deslindar a complexa história de seu país. Na primeira parte trata da colonização francesa (1638/1960) e na segunda da implantação do capitalismo, a partir de sua independência na década de 60.

Khaly se vale da tradição oral para passar ao grupo de seguidores a luta de seu povo contra os dois sistemas de exploração. Eles o ouvem atentos, pois, além disso, ele é agente das três histórias relatadas. É como se ressurgisse nos grandes planos da câmera de Makharam em vivas cores da luxuriante paisagem, onde se dão os embates das etnias senegalesas com as tropas francesas e depois contra o capitalista de seu próprio país.

Na primeira história, o príncipe Dieri tenta dialogar com o governador francês, mas sua proposta é recusada. E na segunda, ele decide combater o invasor, mesmo com poucos soldados. Entretanto, não enfrenta as tropas francesas, mas o príncipe de outra etnia, incentivado pelo governador a expulsá-lo da região. O que ocorreu ao próprio Senegal, que ao longo de sua história teve de se unir a outras nações até se tornar independente.

Feiticeiro é portador do segredo do Jom

Segundo Khaly, para chegar à total libertação o insurgente precisa ser portador do Jom, espécie de virtude, dignidade, coragem, compromisso. O novo opressor, o burguês, é mais sútil, cheio de táticas e poder de pressão. Ele controla a vida dos operários de sua fábrica e, por extensão, a de todos trabalhadores. É um inimigo mais ardiloso a exigir unidade, inteligência, organização para alcançar a total libertação, como se vê na terceira parte.

Os operários da fábrica do empresário Diop entram em greve. Em vez de delegar a negociação com o sindicato, ele assume o encargo, achando que eles se submeteriam. Contudo, Madjeumbe, líder sindical, mantém a categoria unida para alcançar seu intento. Diante disso, Diop tenta subornar as companheiras e os pais dos grevistas para ajudá-lo, e eles recusam. O mesmo ocorre com Khaly. Assim, se Dieri, mesmo derrotado, deu início à libertação, Madjeumbe e seus companheiros triunfaram.

Com esta visão revolucionária da luta de classe, Makharam deu um passo adiante no Cinema Terceiro-mundista e se inclui na do Cinema Militante. De contar uma história em que os explorados saem vitoriosos, devido principalmente à sua unidade (Os Companheiros, 1963, de Mário Monicelli, 1915/2010). Pena que este foi seu último filme, tendo deixado uma cinematografia de apenas três obras: “E não havia neve” (1965), “Kodou” (1971) e este alegórico “Jom ou a história de um povo”.

Rajaonarivelo mostra luta sem garantias

Com outra linha narrativa, o cineasta malgaxe Raymond Rajaonarivelo (1949) se detém na luta dos camponeses da aldeia de Tanala, costa Leste da ilha de Madagáscar, contra o colonialismo francês (1885/1960). Sob o olhar do garoto Solo (Françóis Botozandry), se desenrola a história de seu irmão Léhid (Lucien Dadakisy), que tenta enfrentar o invasor com poucos adeptos, e do único professor da escola local Soatody (Harandro) a optar pelo Movimento Democrático da Renovação Malgaxe (Morm), em 1947.

Com economia de meios, linguagem direta e grandes planos, ele expõe ao expectador a precária vida dos camponeses. Habitando frágeis casebres de madeira, eles se locomovem em barcos e a pé até o povoado onde está o posto militar francês. Entretanto, Léhid, ao se rebelar, não o faz só contra a ocupação, mas também para não ter sua produção confiscada pelo invasor. E enfrenta-o com pedaços de madeira em forma de fuzil, com todo risco que isto implicava.

A brutal reação militar francesa à resistência leva à ocupação da aldeia, até restarem apenas famintos idosos, mulheres e crianças. A única a reagir às tropas do capitão francês (Philippe Nahoun) é a idosa a ficar sentada em sua cadeira olhando-os debochadamente. Enquanto Solo tenta se informar, sem sucesso, sobre o irmão, morto pelos franceses. E, em flashback, projeta-o retornando de barco à aldeia. São poéticas imagens de Léhid, o herói de Solo chegando, e do rio como o caminho de saída para a libertação.

Diretor mostra combate desigual

Rajaonarivelo trata da luta desigual entre oprimidos e invasores a seco, sem cenas que possam tirar sua crueldade. Numa inversão de posições após os franceses terem eliminado os jovens da aldeia, em tomadas diretas, enquadra o capitão tendo de alimentar os habitantes que restaram na aldeia, não por compaixão, mas para assegurar seu já frágil poderio. E ele, Rajaonarivelo, como outros cineastas africanos, mesmo tendo filmes produzidos pelo capital francês, não lhe pouparam explícitas denúncias.

(*) Filmes exibidos na Mostra Clássicos Africanos, no Palácio das Artes BH, de 8 a 22/09/2016.

– Jom ou a história de um povo (Jom ou l´Histoire d´un peuple). Drama. França/Senegal. 1981. 76 minutos. Direção/roteiro: Babacar Samb Makharam.

– Tabataba. (Rumeur). Drama. França/Madagascar. 1987. 79 minutos. Elenco: Françóis Botozamdry, Lucien Dadakisy, Philippe Nahoun, Harandro. Roteiro/direção: Raymond Rajaonarivelo.

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