“Nahid – Amor e Liberdade", Abrindo frestas na muralha

Com delicada narrativa, cineasta iraniana Ida Panahandeh constrói ousado retrato da mulher de seu país e sua luta para abrir frestas no patriarcalismo.

Nada das parábolas de Jafar Panahi (1960), em seu estimulante “O Balão Branco (1995), ou das intrigantes metáforas do Abbas Kiarostami (1940/2016) de “Gosto de Cereja” (1997), a iraniana Ida Panahandeh prefere tratar sem rodeios, mesmo com a delicadeza que o tema requer, a espinhosa situação da mulher em seu país. Cerca-o dos cuidados de quem domina a construção narrativa, numa trama que se divide em vários núcleos, para mostrar o quanto é difícil abrir frestas nas muralhas do patriarcalismo.

De um lado, neste “Nahid – Amor e Liberdade”, está a família da personagem titulo (Sareh Bayat), de outro a do ex-companheiro Ahmed (Navid Mohammedzadeh), numa ponta seu patrão Mas´ood (Pejman Bazeghi) e no centro ela e o filho adolescente Amir Reza (Milad Hossein Pour). Todos que, além de influir em sua vida, a fazem oscilar entre sucumbir aos milenares preceitos e as leis que os preservam ou enfrentá-los sob o risco de ser escorraçada do meio onde vive. Não é fácil.

É em torno deste dilema que Panahandeh e seu corroteirista Arsalan Amiri tecem a bem amarrada trama da mãe lutando para manter consigo o filho, depois de se separar do companheiro. Não por adultério, mas por ele ser dependente químico, envolvido em apostas de futebol, vinculadas ao crime organizado, e frequentador do bar onde circulam os traficantes.

Famílias se sentem humilhadas por Nahid

Para complicar ainda mais sua vida, Ahmed quer viver de novo com ela, dizendo que se recuperou do vício. Mas, sem que ela perceba, ele já atraiu o filho Reza para o ambiente de jogo, bebida e violência. Esta mescla de chantagem e pressão psicológica, entrecortada pela paixão, tende a levar o espectador a se identificar com Nahid. Podendo, no limite, ser visto como maniqueísmo, mas o ajuda a compreender o quanto ela fica vulnerável.

Não uma vulnerabilidade qualquer, porque a família dela se sente ultrajada, humilhada, pois ela não aceita a proposta de reconciliação de Ahmed. Irritado, seu irmão mais velho Nasser, acusa-a de os ter envergonhado ao se separar do ex-companheiro. Não menos ofendida se diz a família deste ao dizer que ficou numa insustável situação perante os parentes e a vizinhança de onde mora. A nenhum deles ocorre se indagar sobre seu direito de recusar a viver com Ahmed, ou outro companheiro.

A habilidade de Panahandeh se constitui em levar o espectador a apreender a força do patriarcado na vida da mulher iraniana, ainda mais, divorciada. Cineasta sofisticada, ela une trama e estética, ao fazer seu diretor de fotografia, Morteza Gheida, enquadrar e iluminar as cenas. Tanto nas sequências da casa da família de Nahid quanto nas de Ahmed, ele o faz através da porta, mostrando parte do corpo ou da face dos personagens, usando pouca luz, criando o clima de opressão e trevas.

Nahib e e Mas´ood representam o novo

Não sem razão, a trama pontua o novo, configurado por Nahib e Mas´ood, num dialético jogo criado por Panahandeh. Ela se mostra disposta a resistir para manter consigo Reza, enquanto se esforça para pagar o aluguel do apartamento e se sustentar trabalhando na pousada de Mas´ood à beira da praia. Ele, divorciado, cuidando da filha adolescente Modina, cumpre o papel do homem moderno, de entender o drama da amada, embora ela hesite devido ao rigor da lei iraniana e as ameaças de Ahmed.

Aqui, ao contrário das sequências das casas das famílias, Panahandeh usa grandes planos da praia, das ruas e do interior dos apartamentos de Nahib e de Mas´ood, como se escapassem às trevas. Inclusive a iluminação de Gheida é amena, capta o frescor do instante e o som ambiente matiza o estado psicológico dos personagens, menos presos aos costumes. Notadamente quando fogem aos padrões patriarcais e criam seus espaços, usando a lei para se manterem juntos e longe de Ahmed.

Sem discursos, Panahandeh indica a saída para o impasse em que se encontra a mulher iraniana, em meio aos ditames do patriarcalismo e da teocracia. Ainda que lhe proíba outro relacionamento amoroso, faculta ao homem, no caso, Mas´ood, se casar com ela, por algumas semanas, podendo ser reiteradamente renovado. Eis, segundo Panahandeh, a abertura para a liberação da mulher iraniana, ainda que muito estreita.

Handeh expõe suas próprias convicções

Pode ser quase nada, mas nas circunstâncias postas é mais seguro. Trata-se, em suma, da livre escolha de Nahid e Mas´ood, ditada pela paixão, não pela escolha e imposição familiar. Veladamente, Panahandeh endossa este caminho, numa obra aberta, em que pontua o nascer da nova mulher de seu país. O avanço dramatúrgico está em pegar este polêmico tema e, ao escorá-lo na luta de Nahid para ficar com o filho, discutir a opressão da mulher iraniana (e não só dela).


Nahid – Amor e Liberdade. (Nahid). Irã. 2015. 104 minutos. Música: Majid Pousti. Edição: Arsalan Amiri. Fotografia: Morteza Gheidi. Roteiro: Ida Panahandeh/Arsalan Amiri. Direção: Ida Panahandeh, Elenco: Sareh Bayat, Navid Hohammadzadeh, Pejman Bazeghi, Milad Hossein Pour.

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