Não assassinarão Milosevic de novo

Em 31 de julho passado, o Tribunal Penal Internacional de Haia reconheceu, com quinze anos de atraso, a falsidade das acusações forjadas contra o presidente socialista sérvio Slobodan Milosevic pelos porta-vozes da máquina de guerra da OTAN, que tinha destruído seu país dois anos antes sob uma chuva de mísseis enviados pelo presidente “democrata” R. Clinton e seus comparsas da União Europeia.

Preso em 1º de abril de 2001 pelo governo fantoche imposto pelos agressores, ele foi entregue ao Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPIY) em Haia , especialização judiciária que em si já carrega uma cruel ironia: o cartel imperialista destrói um Estado soberano, depois encarrega um bando de rábulas togados de castigar os que lutaram para que a Iugoslávia não se tornasse “ex”.

Os patriotas e socialistas iugoslavos já vinham sendo sordidamente criminalizados pelo cartel da intoxicação mediática. Milosevic, em particular, foi chamado de “carniceiro dos Bálcãs”, “genocida” “monstro sedento de sangue” etc. por praticamente todos os órgãos importantes de comunicação de massa da Europa e dos Estados Unidos. Os lacaios da periferia não ficaram atrás. As "reportagens" da Folha de São Paulo sobre o cerco da casa de Milosevic em 31 de março 2001 pelos esbirros a soldo da OTAN e sua prisão no dia seguinte, fariam muito boa figura em qualquer antologia da calhordice jornalística. O jornal do clã Frias é coerente: sempre cooperou ativamente com a “caça aos comunistas”, sejam eles os “terroristas” brasileiros dos anos setenta, o “ex-ditador” da Sérvia, o “ditador” cubano Fidel Castro e quantos mais enfrentaram o capitalismo e o imperialismo.

A Folha não estava sozinha. Em Tempo, órgão da "tendência democrática socialista do PT" (nº 307, julho 1999) assumiu o ponto de vista da intoxicação mediática imperialista, pontificando em editorial da primeira página: "Como contra Saddam Hussein, a intervenção aberta foi possível porque a ação do Milosevic era indefensável[…]A política de limpeza étnica de Kosovo conduzida pelos nacionalistas sérvios era criminosa e tinha de ser combatida". Essa “esquerda” alinhada com a direita e com o campo imperialista é a mesma que aplaudiu o assassinato do “ex-ditador” Khadafi, o terrorismo anti-Assad na Síria, o golpe fascista na Ucrânia etc. etc. Não se trata de erros de avaliação, mas de uma calúnia sistemática da propaganda da OTAN, assumida sem a menor preocupação crítica pela tal "tendência democrática socialista” e congêneres.

Dentre as provas que o Tribunal de Haia levou em conta para estabelecer a inocência de Milosevic está a gravação de suas declarações a Radovan Karadzic, presidente da República dos Sérvios da Bósnia, em que ele qualificou de “ato ilegítimo em resposta a outro ato ilegítimo” a tentativa da Assembleia servo-bósnia de expulsar os muçulmanos e os croatas do território bósnio. Também se comprovou que ele tinha insistido junto aos funcionários sérvios e sérvio-bósnios na importância de impor o respeito aos membros de todas as nacionalidades e religiões.

Milosevic encarou com dignidade e coragem exemplares a farsa judiciária montada contra ele. Assumiu sua própria defesa, desmontando uma a uma as acusações fabricadas pelos que já o tinham condenado de antemão. Esteve à altura do búlgaro George Dimitrov, grande dirigente comunista preso pelos nazistas em 1933, que o acusavam de um crime que eles próprios tinham cometido (o incêndio do Reichstag, o velho Parlamento do império). Com a diferença de que diante da cabal refutação das acusações mentirosas dos tribunais nazistas, Hitler se sentiu constrangido a libertar Dimitrov, ao passo que os carrascos da OTAN deixaram Milosevic preso anos a fio enquanto o processo se arrastava. Negaram-lhe a possibilidade de ir se tratar adequadamente na Rússia de uma grave lesão cardíaca. Seu advogado enviou uma carta ao Ministério dos Assuntos Exteriores da Rússia denunciando que ele estava sendo envenenado. Setenta e duas horas depois, em 11 de março de 2006, ele foi encontrado morto em sua cela. Exames de sangue feitos logo após sua morte detectaram rifamicina, uma droga que anula os efeitos dos medicamentos contra a pressão alta que ele era obrigado a consumir.

A canalhice mediática se manifesta também pelos silêncios cinicamente programados. Jornais e TVs responsáveis pela avassaladora campanha de mentiras que encobriram o bombardeio, pela OTAN, de escolas, hospitais, embaixadas, centrais elétricas etc. da Sérvia em 1999 e o seqüestro de Milosevic em 2001, ocultaram sistematicamente, em julho/agosto de 2016, qualquer notícia sobre o reconhecimento de que eram infundadas as pesadas acusações em nome das quais ele acabou cumprindo, sem julgamento, pena de prisão perpétua. Tanto no centro quanto na periferia do campo imperialista, a censura foi total. Embora tenham acabado por admitir a revoltante injustiça cometida contra o último presidente da Iugoslávia martirizada, os tartufos togados do Tribunal Penal de Haia preferiram não divulgar a própria decisão, arquivando um processo de 2.590 páginas. Não fossem algumas brechas na internet, notadamente o comentário publicado em Resumen Latinoamericano de 31 de julho de 2016, os bandidos que destruíram a Iugoslávia e mataram Milosevic teriam assassinado a verdade pela segunda vez. Entre aqueles bandidos sobressaem o então presidente estadunidense Clinton e o secretário-geral da OTAN, o patife social-liberal Xavier Solana, marionete da máquina de guerra imperialista.

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