Eleições municipais e a questão urbana

Uma determinada leitura da política brasileira tem sua chave heurística na categoria do patrimonialismo. Vai em geral associada ao clientelismo e populismo, e é considerada a maior chaga política nacional. A mais importante universidade do país, a USP, domina nessa interpretação sociológica. Mas o fenômeno não é superestrutural, provém das relações econômicas e sociais dominantes: nisso a crítica é menos furibunda.

Um de seus aspectos decisivos é a concentração patrimonial no capitalismo brasileiro, que vai muito além da concentração de renda, e que não é explicitada nas estatísticas relativas ao assunto.

Impressionante evidência é dada pela concentração imobiliária, estarrecedores no caso da cidade de São Paulo. Segundo a Secretaria Estadual de Finanças do Município de São Paulo, em dado comentado pelo Conselho Regional de Corretores Imobiliários, fica-se sabendo da dimensão do patrimonialismo imobiliário na cidade: dos 2,3 milhões de proprietários de imóveis na cidade, 22400 pessoas, 1% do total, detêm 749 bilhões de reais em casas, apartamentos, terrenos e outros bens. Isso equivale a 45% do valor total dos imóveis paulistanos, ou seja, 820 mil imóveis. Dentre essas, 1840 são considerados categoria F, conforme a legislação paulistana, como propriedades de alto padrão, acima de 750 m2, mansões nas regiões nobres da cidade que, somadas, equivalem a mais de dois parques do Ibirapuera. Cada proprietário tem em média 37 imóveis, patrimônio individual de 33 milhões de reais. Quer dizer, somente 0,18% dos moradores da cidade acumulam 45% do valor das propriedades.

Em paralelo, a cidade abriga mais de 1600 favelas e um em cada quatro paulistanos vive em assentamentos precários. O défice habitacional da cidade alcança quase 370 mil unidades.

Nas eleições municipais deste ano, quando estão em debate as opções para governo da cidade, importante considerar isso como um dos parâmetros pelos quais se deveria escolher o prefeito e os vereadores. As perspectivas com que cada um dos candidatos “enxerga” essa realidade é um dos fatores decisivos para humanização da metrópole, com maior equidade social e, consequentemente, maior solidariedade nas relações de vida e trabalho entre os paulistanos.

O plano diretor e o zoneamento da cidade sem dúvida podem levar em conta essa perspectiva. Desconcentração patrimonial imobiliária pode ser alcançada por diversos mecanismos tributários e, ao lado disso, uma política habitacional ainda está na ordem do dia. Habitar o centro da cidade, criar empregos nas maiores concentrações populacionais, aproximar o emprego da moradia, melhorar a mobilidade urbana, são medidas postas em movimento pela gestão Haddad e merecem continuar.

O problema de fundo é maior: uma poderosa reforma urbana permanecerá necessária, diminuindo o desnível absurdo no patrimônio imobiliário da cidade de São Paulo, atendendo, assim, ao artigo 6º da Constituição Federal quanto aos direitos sociais. Para isso, ou seja, para as reformas estruturais que o Brasil reclama, condições maiores de forças precisam ser acumuladas pelo campo progressista e de esquerda.

Mas isso não prescinde de medidas progressivas combinadas para diminuir esse desnível. Não vejo compromissos políticos ou de valores em outros candidatos quanto a esse tema, ou pelo menos, compromissos com realização exequível, como os de Fernando Haddad.

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