“Os Anarquistas”, utopia enviesada

Cineasta francês Élie Wajeman usa grupo libertário-contestador para mostrar comportamento da juventude francesa no final do século XVIII.

Não à toa, o clima de festa e contestação matiza o ambiente em que o diretor Élie Wajeman e sua corroteirista Gaëlle Macé reúnem o grupo de jovens anarquistas no final do século XIX, em Paris. Sobram críticas ao parlamentar que põe a cabeça deles a prêmio e ódio à burguesia, neste drama-político. Enquanto sua ação, em “Os Anarquistas”, atende mais a seu grupo do que ao operariado francês, dada à sua forma de organização.

Wajeman faz o grupo se concentrar na fábrica de pregos, onde a maioria trabalha, e se encontrar no bar frequentado por outros operários. Nele, entre dança e bebida, troca informações e ouve as frases-slogans de seu líder Elisée Mayer (Swann Arlaud). Entre tantas, a de que “felicidade é viver, ser livre e não se sindicalizar”, como se isso, ao invés de fragilizar sua base, fortalecesse a luta do operariado contra a burguesia.

Com estas caracterizações, Wajeman mostra seu interesse nas ações dos jovens anarquistas e na juventude operária parisiense. Obrigada a trabalhar das seis da manhã às dezessete da tarde, com uma hora para almoço, para ganhar míseros francos, ela, como diz, Mayer: “está louca para tirar a pele do contramestre”. E encontra na organização a agitação, a teoria e a forma de manifestar seu descontentamento.

Grupo vive em república

Isto se vê no modo de viver de cinco de seus catalizadores: Mayer, Biscuti (Karin Leklou) e Eugéne Lévéque (Chédric Khan), que, abrigados no apartamento da escritora e militante Marie-Louise Chevandier (Sarah Le Picard), o dividem com a professora desempregada Judith Lorillard (Adele Exarchopoulos). Nesta espécie de república, eles antecipam o viver grupal hippie dos anos 60, “onde ninguém controla ninguém e cada um cuida de si próprio”, na frase síntese de Lorillard.

São nestas expressões que Wajeman expõe as ideias e os objetivos do núcleo. A calma e jovialidade de Lorillard ganha ferocidade ao se insurgir contra o deputado conservador Lacombe que oferece mil francos para cada anarquista abatido. Em carta, lida para o bar lotado, ela o desanca: “(,,,) Acho que seria de grande ganho para a sociedade se, ao invés de fazer leis, o senhor fizesse chapéus, casacos ou até sapatos. Ou seja, alguma coisa que fosse útil para alguém”.

Entretanto, Wajeman não a afasta do ideário anarquista: “(Anseio) por uma sociedade livre na qual não haverá nem assassinos nem mendigos, nem presidentes, nem deputados”. Contudo são nas sintetizações de Mayer que este ideário se revela ao mesclar ódio de classe e apocalipse: “Quando os trabalhadores cessarem de suportar o cansaço e a fome, verão as labaredas tomando conta do céu (…)”, diz como se erguesse a Bíblia.

Marx defendia ao Estado Socialista

Porém a dupla Wajeman/Macé reduz a questão teórica ao mero arremedo para o espectador ter ideia do que eles defendem. Mas as frases de Mayer e Lorillard, em si, dizem pouco sobre o anarquismo, defendido pelo russo Mikhail Bakunin (1814/1876). Seu objetivo era construir nações dirigidas pelos trabalhadores, com o poder conquistado sem revolução, numa espécie de Socialismo sem Estado. “Não será pela audácia, pelos inimigos das regras, que o Estado será vencido”, assegurou.

Seu projeto lhe rendeu acirradas polêmicas com Karl Marx (1818/1883), autor de “O Capital”, que defendia a revolução socialista, o partido de vanguarda, a classe operária no poder, a edificação do Estado Socialista para estruturar, organizar e garantir a construção da sociedade sem classes. Sem isto, a sociedade sem Estado termina no anarquismo, sem o centro articulador e garantidor das conquistas e consolidação do Socialismo. Alvo fácil das armadilhas dos renascidos ardilosos do capital.

Por outro lado, a moeda move as ações do núcleo anarquista para sustentar financeiramente suas atividades e os próprios dirigentes e militantes. Daí o confisco de dinheiro do banco, do burguês e, por último, do deputado Lacombe. Em rápidas sequências, sem tender ao especular, ao suspense, à correria de carros e à violência gratuita, Wajeman torna essas ações emblemáticas da vendeta anarquista.

Desfecho foge aos padrões

Estas escolhas narrativas permitem a Wajeman fugir ao leitmotiv que conduziria a trama até ao desfecho. E tornaria o jovem sargento Jean Albertini (Tahar Rahim) de 22 anos, o catalisador da ação. Escolhido para se infiltrar no grupo anarquista, trabalhando na fábrica de pregos, ele termina participando das decisões e ações de confisco. E se envolve emocionalmente com Lorillard, criando um triângulo amoroso, mesmo que cheio de nuances, que aumentam a curiosidade do espectador.

Além disso, ao invés de liquidar todo o núcleo anarquista, a dupla Wajeman/Macé foge ao padrão reacionário, fora da realidade cotidiana, em que todos caem e são liquidados. Dão chance de Lorillard evadir-se, com final aberto para ela e Jean. Algo forte restou entre eles e, enfim, a questão é mais político-ideológica, contra a burguesia e o capitalismo. que criminal.


“Os Anarquistas”. (Les Anarchistes). Drama. França. 2015. 101 minutos. Música: Gloria Jacobsen. Montagem: François Quiqueré. Fotografia: David Chizallet. Roteiro: Élie Wageman/Gaëlle Macé. Diretor: Élie Wageman. Elenco: Tahar Rahim, Adèle Exarchopoulos, Swann Arlaud, Guillaume Govix, Karin Leklou.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor