Estratégia, tática e radicalismo

Nestes tempos em que vemos o avanço das pautas conservadoras na sociedade, sempre é bom pensarmos e repensarmos sobre conceitos importantes que aprendemos (ou não) desde muito cedo na experiência diária da luta por uma sociedade mais justa e desigual.

Desta forma, optei por, no artigo de hoje, lembrar algumas coisinhas que o tempo nos faz esquecer: A rimeira que quero comentar a fundo é o radicalismo. Esta palavra vem de “radical” que segundo o dicionário etimológico (2016) se originou a partir do latim radicalis, que significa “relativo à raiz”. Porém, radicalis é uma derivação de radix, que quer dizer “raiz”.

De posse desta definição simples, porém fundamental, podemos passar a pensar o que é ser radical? Será que este pode ser definido como alguém que se nega a discutir com o diferente e se nutre apenas de suas posições verdadeiras e eternas ou será que, ao contrário, seria o sujeito capaz de ir a fundo ao problema, discutir de maneira paciente e didática até buscar (se possível) um entendimento de causa, ou seja, ir de fato à “raiz” do problema?

Coloco esta problemática, pois já há algum tempo tenho notado como ser “radical” deixou de ser motivo de orgulho para se tornar motivo de ódio em muitas discussões políticas e filosóficas, será que esta conotação não está sendo usada de forma errada? Ou será que “radical” perdeu a função original e ainda não comunicaram a nossa língua mãe? Estou mais propenso a imaginar que foi criado um “radical sob novo paradigma”…

Um sujeito radical (segundo a origem da palavra), quando em diálogo com o diferente, tende a adotar táticas e estratégias que vão variar de acordo com o público ou com quem se debate, pois estas duas palavras, mesmo que muito usadas como sinônimas, não significam a mesma coisa.

Tática, de acordo com o Dicionário On Line de Português (2016) é a “arte de combinar a ação de tropas, ou os recursos característicos das diferentes armas, a fim de obter o máximo de eficácia no combate”. Já estratégia, segundo a mesma fonte, seria a “forma ardilosa que se utiliza quando se quer obter alguma coisa”.

Agora que temos as definições de ambas as palavras, vemos que além de não significarem a mesma coisa, elas também podem ser complementares de acordo com o objetivo de cada um, ou seja, um bom estrategista, há de ter uma habilidade tática enorme para conseguir obter as vitórias que precisa rumo a seu objetivo.

Usemos um exemplo: se um pescador tem o objetivo de comer um peixe. Sua estratégia será pescá-lo, já a tática, vai variar de acordo com a armadilha escolhida, pode ser uma isca, uma rede, uma vara de pescar, etc.

Infelizmente, em política as coisas não são tão simples, por isso (acredito eu) que tática e estratégia são tão confundidas, assim como também a definição do que vem a ser radical. A falta de unidade de pensamento tático e estratégico pela esquerda brasileira (de modo geral) faz com que diversas figuras repitam com ar de entendido estes erros tanto de definição, como de ação.

Didaticamente falando temos hoje um inimigo comum que une tanto a esquerda como a direita liberal, Eduardo Cunha. Só esta frase já é motivo de polêmica, confusão e xingamentos a mim, entretanto, antes de esbravejar, tentemos entender o que “Dudu” Cunha tem a ver com a definição destas três palavras.

A direita clássica, liberal, que defende o livre mercado e a intervenção mínima do estado não se sente confortável com a presença de Cunha comandando as ações no legislativo brasileiro, ela se alia com ele sim, mas não o tem como uma pessoa de confiança. O motivo para tanto é simples: Cunha é conservador, não é liberal no sentido strictu da palavra, pautas que colocam o estado laico em xeque, criminalização da homofobia e mesmo a polêmica escola sem partido, não unifica toda a direita, somente o campo mais reacionário, onde se destacam a bancada evangélica e o PSC de Bolsonaro.

Neste ponto, parte da esquerda se divide, pois por não saber diferenciar tática e estratégia, acaba por não buscar uma solução radical para o problema, pelo contrário, contribui, mesmo sem querer ou saber, para manutenção do inconveniente.

Em uma situação onde o exército inimigo é maior, como no caso dos parlamentares de direita e esquerda na câmara dos deputados, saber usar uma tática capaz de dividir seus apoiadores pode ser uma estratégia viável e interessante, pois a realidade nua e crua que se apresenta é: a esquerda não tem votos suficientes para eleger o chefe da mesa diretora, não é hipótese, é fato, com base nisso resta duas opções, ou buscar enfraquecer o inimigo buscando frear parte do que seu pior general propõe de ação buscando criar um novo líder que não seja tão hábil, conservador e perspicaz como o anterior ou simplesmente deixar pra lá protestando.

Por não entender o que vem a ser radical, ou seja, ir à raiz do problema, alguns setores (os “radicais sob novo paradigma”) não enxergaram ali uma chance de enfraquecer Cunha (e o presidente golpista Temer), pois de fato a derrota não é tão grande como se gostaria, mas muito simbólica no campo político, pois minimamente, a pauta mais conservadora sai de cena, ficando agora a pauta liberal e os inimigos de sempre (DEM, PSDB, etc…).

Ora mas onde está o radicalismo em eleger um demista no lugar de um testa de ferro de Cunha? Se ser radical é ir à raiz do problema e o problema maior naquele momento era diminuir o poder de barganha do ex-presidente da casa, a medida mais radical a ser tomada seria uma estratégia capaz de diminuir seu poder sobre os deputados, ou seja: a tática de eleger alguém que fosse menos pior e que seja possível combater com pressão popular.

Pode parecer estranho, mas ter uma ampla flexibilidade tática sem perder de vista a estratégia criada e o objetivo final, não foi inventado agora, teve seus primeiros esboços com Sun Tzu (544 – 496 a. C.) na sua genial obra A Arte da Guerra. Vários generais de guerra se inspiraram no chinês, como Napoleão, Diap (Vietnã) e até Lênin.

Só é possível buscar unidade das forças de esquerda contra a onda reacionária que estamos vivendo, se tivermos compreensão política que a divisão do exército favorece o inimigo e que uma estratégia vitoriosa perpassa por uma tática ampla, trazendo para o campo de oposição a Temer todos os patriotas, democratas, juristas sérios e intelectuais responsáveis, mesmo que estes não se identifiquem com a esquerda, só desta forma temos como radicalizar (ir de fato à raiz) do golpe que estamos vivendo. Como diria Sun Tzu: “Se o inimigo deixa uma porta aberta, precipitemo-nos por ela”!

Pense nisso!

Referências:

Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Disponível em http://www.dicionarioetimologico.com.br/radical/. Acesso em Julho de 2016.
Dicionário On Line de Português. Disponível em TZU, S. A Arte Da Guerra. Editora: Gente. São Paulo, 2011.

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