Piadas sobre Mariel 

Semana passada, o presidente interino, Michel Temer, anunciou que o Brasil vai investigar a construção do porto de Mariel, em Cuba, comandada pela construtora Odebrecht e financiada em grande parte pelo BNDES. A midiática decisão não passa de mais uma tentativa de atingir o ex-presidente Lula, uma vez que as obras do porto foram iniciadas durante seu segundo governo, embora já previstas em acordo assinado ainda na era FHC.

O anúncio de Temer se baseia em decisão do seu ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, Torquato Jardim, que, em entrevista ao jornal OGlobo, explicou as razões do governo interino pra tão importante decisão. “O porto não gerou mercado para brasileiros, pois a ilha é fechada”, afirmou ele.
Por completo desconhecimento ou pura má-fé, tanto o ministro quanto seu chefe, aprontam com isso mais uma presepada que provoca piadas nos principais fóruns internacionais do momento. A começar pelo fato de que Mariel é apenas uma parte de enorme mudança que se processa no transporte marítimo global há pelo menos uma década, de grande interesse ao setor industrial brasileiro, não apenas o naval.

História

Em viagem a Cuba, três anos atrás, eu pedi pra dar uma olhada nas obras do porto de Mariel, pois estavam a cargo de empresas brasileiras. De pronto, foi ajeitada uma visita e eu fui pra lá, onde fui recebido por dois engenheiros, um brasileiro e um cubano. Entrei no jipe em que estavam e fomos dar uma volta bem rápida, como meu tempo permitia naquele dia.

Logo percebi, porém, que, além das obras de construção civil, também as instalações técnicas estavam sendo tocadas por empresas brasileiras. E, tirando algumas partes de altíssima especialização tecnológica, todos os equipamentos ali instalados eram de igual modo tupiniquins. Milhares de pessoas e dezenas de empresas brasileiras alongaram minha visita.

Tudo tinha dimensões gigantescas, a mim. A certa altura, eu perguntei aos meus cicerones:

— E tem movimento pra isso tudo?

Os dois se entreolharam, trocaram um sorriso meio cúmplice, e o brasileiro respondeu:

— Essa não é uma empreitada pra semana que vem.

De fato, tampouco a obra havia sido inventada na semana anterior. Foi planejada por anos a fio, prevendo o crescimento do transporte marítimo naquela parte do mundo, que inclui toda a costa leste dos Estados Unidos. Não seria um elo entre Brasil e Cuba, mas um entreposto mundial, estrategicamente muito bem localizado.

A maior comprovação disso veio logo depois, com fim do bloqueio econômico ianque e o reatamento das relações entre a Ilha e os EUA. Este, por certo, será o maior usuário daquele porto, com carregamentos de toda ordem, inclusive luxuosos cruzeiros marítimos, oficializando uma situação já real.

Há mais de dez anos, o maior número de turistas que desfrutam dos encantos cubanos procede dos EUA, apesar da proibição oficial. E já lotam grande quantidade de refinados hotéis das grandes redes internacionais, que operam em parceria com o governo cubano, em regime de meio a meio.

Em verdade, a obra de Mariel faz parte da reordenação que vem ocorrendo no transporte marítimo global, com vários empreendimentos de grande porte. O maior deles, também concluído agora, foi a duplicação do Canal do Panamá. A ligação de 80 km entre os oceanos Pacífico e Atlântico, aberta há 100 anos, passou a dar vazão aos supercargueiros modernos.

São embarcações com comprimento, largura e calado bem maiores do que as do padrão Panamax, como são chamados os navios construídos mundo afora durante décadas com medidas capazes de transpor aquele canal, mas que se tornaram antieconômicos.

As obras do Canal foram executadas por um consórcio de empresas espanholas, italianas e belgas, responsáveis também pelo fornecimento da maior parte dos equipamentos usados. Como no porto cubano, esses equipamentos requerem manutenção permanente, o que inclui mão-de-obra especializada e reposição de peças.

Da mesma forma, pois, navios de bandeira verde-amarelas atracarão em Mariel, levando e buscando cargas no Caribe e nos EUA, além de trabalhadores e equipamentos de empresas brasileiras, empenhados na manutenção do porto. São novas portas que se abrem, através de um país fechado, no entender do ministro interino.

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