Empoderamento: Legítima defesa

Me parece óbvio que parte, boa parte, das lideranças que participam de entidades que compõem o universo do chamado movimento negro brasileiro, ainda sofre, no fundamental, influência das lutas ante racistas norte-americanas (EUA).

Não que isso seja de todo ruim, afinal os negros americanos obtiveram conquistas, considerando suas características locais, que evidentemente permitiram, aqui e acolá, o surgimento de personalidades e celebridades negras para além, não muito, da música e do esporte. Mas acho que parte das lideranças, em especial, as institucionalizadas, repetem palavras, gestos e até conceitos, estranhos a nossa realidade e por vezes incorporados pela, pequena, elite negra acadêmica e política brasileira, que repete a exaustão chavões que nada mais são do que reproduções mecânicas do que se produz em terras do "Tio Sam"!

Repito que a polêmica que aqui introduzo não desqualifica os termos, as lutas e nem as conquistas obtidas pelos negros americanos, em especial dos últimos 60 anos. Embora o fato ocorrido recentemente em Dalas (mesmo local do assassinato do Kennedy em 1963), manifestação violenta por parte de um jovem de 26 anos que fuzilou 11 policiais brancos levando 6 deles a óbito. A forma, evidentemente, não reforça o conteúdo. Contudo, lembro Luiz Gama que disse: "o escravo que mata o senhor, seja em qual circunstância for, mata em legitima defesa", demonstram que as coisas por lá estão longe de serem resolvidas pelos formatos propostos e assimilado a duras penas pela sociedade de lá não logrou o êxito estratégico pretendido. Pelo menos não no sentido de solucionar o problema do racismo ianque e suas mazelas. O multiculturalismo americano base teórica das cotas se mostrou um fiasco. Lá, também, não se atingiu a essência da questão e a ilusão respingou por aqui. No máximo criou-se grandes capitalistas negros, opressores, que se preocupam através das redes sociais com a ausência de negros na cerimônia do Oscar mas não movem uma única pedra para reclamar das invasões barbaras que os EUA promovem pelo mundo e que tem como vítima por exemplo, o povo palestino.

A eleição do Obama encheu de alegria e ilusões os negros no Brasil. Os acadêmicos, empresários, homens de negócios e os lideres elitistas das entidades também elitistas logo se animaram em cantar em verso e prosa um novo tempo. A busca do tal "empoderamento" passou a ser o mote principal e em torno da qual se organizaram entidades, movimentos e teses, muitas teses. Até “lideres” bem-intencionados findaram por se portar como "ongistas" embarcando e, ainda, embarcam nesta onda. O “empoderamento" passou na verdade a ser um sofisma, muitas vezes, a encobrir, as vezes nem isso, a busca por espaços institucionais. Ocorre que, em boa medida, esses espaços se tornaram espaços pessoais. Grupos, amigos, entidades artificiais e até famílias, se escoram neste discurso para ocupar cargos e lá não produzirem, ou nem tentarem, uma única linha de ação que permitam reforçar a luta para alterar o status quo. Nem a luta de ideias necessária e nem a luta prática, concreta. Em parte pelas limitações reais dos espaços “conquistados” e em parte pela limitação real dos artificiais “lideres”. A cor da pele não é e nem deve ser entendida como expressão do bom caráter ou mesmo da capacidade e qualificação para o possível empoderamento. Nem todos os negros lutam contra o racismo, nem todos, infelizmente, são de esquerda. Malcom X, Marther Luther King e outros líderes assassinados são exemplo disso.

O debate é duro e é assim que deve ser. Ideias não comportam apelidos, precisam ser chamadas pelos nomes, serem conhecidas e aceitas ou refutadas com eles.

O conceito de empoderamento surgiu com os movimentos de direitos civis nos Estados Unidos nos anos de 1970, por meio da bandeira do poder negro, como forma de auto valoração da raça e conquista de cidadania plena. Ainda no mesmo ano, o termo começou a ser usado pelo movimento de mulheres.

A capacidade de decidir sobre a própria vida é um dos objetivos da estratégia de empoderamento de pessoas e comunidade, do coletivo, na intervenção em fatos que direcionam, impedem, obrigam, circunscrevem ou impedem. Logo o processo de empoderamento eficiente deve envolver tanto componentes individuais como, principalmente, coletivos. Assim é possível desenvolver as capacidades necessárias para que se obtenham reais transformações sociais. Assim um processo de “empoderamento” só será verdadeiramente consequente, quando for vinculado a uma compreensão de classe social e for parte de um contexto de lutas mais amplo e menos diversificados. Não adianta, ou adianta pouco, empoderar-se se não houver simultânea mente uma consciência crítica cognitiva desenvolvida.

Claro que tem a ver, também, com o psicológico, ligado ao desenvolvimento de sentimentos de autoestima e autoconfiança, requisitos importantes para a tomada de decisões. Mas a questão econômica é fundamental. Pois relaciona a importância da execução de atividades que possam gerar renda que assegure a um contingente mais amplo um grau maior de “independência” econômica. Ora, isso explicitará um conflito latente que a luta de classes. Não adianta um presidente negro sem a consciência necessária para travar tal enfrentamento, pois ele será, mais cedo do que pensa, um instrumento para preservação e manutenção de uma ordem racista e opressora.

Claro que não estou defendendo que a nossa luta não ocupe todos os espaços disponíveis, muito pelo contrário. Ocupar espaços, empoderar-se para contestar, desenvolver a consciência coletiva daqueles oprimidos e vítimas primeiras das mazelas do racismo. Por isso que a chave está e estará sempre na consciência política. Pois envolve a habilidade para analisar e mobilizar o meio social para nele e a partir dele, promover as mudanças necessárias ou as possíveis.

O “Empoderamento”, por fim, eu acredito, deva ser o processo pelo qual as pessoas, eu repito, as pessoas, organizações, as comunidades, tomem controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida, tomam consciência das suas habilidades e competências para produzir, criar e, principalmente, gerir seus futuros.

Para isso, penso eu, ser necessário que as pessoas e as instituições construam coletivamente bandeiras políticas positiva, desenvolvam capacidades para pensar criticamente e agir assertivamente, construam espaços e grupos colaborativos, promovam a difícil tomada de decisões de forma horizontal e democrática e implementem ações de conjunto.

O ou a “empoderada” deve ter o compromisso coletivo, deve ter o comprometimento com a causa de todos. Mas como isso é difícil vemos, infelizmente, cada vez mais indivíduos assumindo em nome de todos e trabalhando para ele mesmo.

O centro deste processo, portanto, é o incremento do poder coletivo. A posse e o controle dos seus próprios esforços e destino. Um povo que trabalha para atingir seus objetivos comuns adquire força e consciência de sua capacidade e poder coletivo para enfrentar e resolver os problemas.

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