“Jogo do Dinheiro”, cobaias midiáticas

Os riscos das dicas de TV para aplicar em ações e o conluio entre mídia e mercado são o centro deste thriller da cineasta estadunidense Jodie Foster.

Ao término deste “Jogo do Dinheiro” o espectador sente que a cineasta estadunidense Jodie Foster (Mentes Que Brilham, 1990) largou a mitificação, o glamour e o fetiche com que são tratados os comentaristas de TV e os CEOs de Wall Street para desvendar o conluio entre ambos. Principalmente se envolver programas que indicam as ações mais cotadas, baseado em charme e “credibilidade” e em engenhosas transações financeiras. O resultado pode ser frustração, perdas e violência.

Com o olhar aguçado para a polêmica, Foster e seu trio de roteiristas Alan Fiore, Jim Koof e Jamie Linden tecem neste thriller a relação siamesa entre o banco Ibis Clear Cantal e uma influente emissora de TV novaiorquina. Ambos fictícios, mas nem por isto menos centrados na realidade, eles se unem como patrocinador e parceiro através do programa de grande audiência do comentarista Lee Gates (George Clooney).

Se nas relações entre mídia e anunciante sempre existe a cinzenta linha entre a sustentação financeira do veículo de comunicação e o interesse do patrocinador, nem assim quem compra o espaço publicitário deixa de influenciar as tendências de classe do patrocinado. Daí quando Gates indica as ações do Ibis Clear ao espectador/especulador, não só afiança os lucros e a seriedade do banco, como a audiência do programa.

Lee não é inocente

É nesta frágil dualidade que Foster sustenta sua trama, fazendo fluir a narrativa em vários núcleos de ação que se mesclam numa ágil montagem. Existe às vezes, além do olhar de sua câmera, o olhar da câmera de Patty Fann (Júlia Roberts), diretora do programa “Jogo do Dinheiro”. Mas os cortes da mesa de TV também se confundem com os do filme, montado por Matt Chesse. É através de Fann que Foster une os vários núcleos de ação, ora no estúdio ou na rua, ora via interfone ou ao telefone.

Estas interligações permitem a Foster dar estrutura de “leque narrativo ao filme”, no momento em que o desesperado Kyle Buldway (Jack O´Connel) entra no estúdio e obriga Gates a usar colete com explosivos. Sobrevêm uma série de mentiras, falcatruas, manipulações que esboroam a credibilidade de Gates. Inclusive por afiançar a segurança da aplicação de Buldway e de milhões de especuladores em ações, sem ter ciência da real situação financeira do Ibis Clear.

Nestas sequências, em impressionante variação de planos, Foster evidencia as tênues relações entre patrocinador e patrocinado. Inclusive a falta de transparência entre o Ibis Clear e Gates e deste com seus espectadores/especuladores. “Mas eu não sabia”, garante Gates a Buldway, que enfurece ao se ver ludibriado. Opera-se a partir daí total mudança na trama. Foster transforma o filme num reality-show, com a inclusão de espectadores em casas, bares, restaurantes, ruas e avenidas.

Wall Street é um cassino

Não bastasse, Gates, com seu senso de oportunismo e experiência de “animador de auditório”, os conclama a apostar certa quantia, fazendo girar o contador de apostas. A exemplo de Howard Beale (Peter Finch), em “Rede de Intrigas” (Sidney Lumet, 1976), que pede aos espectadores de seu programa de despedida para gritar que também estavam irados, ele logo vê o número de apostas crescer. O que irrita Buldway mais ainda.

A narrativa então se desdobra em vários núcleos de ação: mesa de direção de tv, estúdio, sede do Ibis Clear em Wall Street, ruas e avenidas, sala de segurança, onde está a Swat. Tudo ao vivo. Foster, então, segue a câmera de Fann, pondo a sua à espreita, numa efetiva interação entre a dupla visão narrativa. Ladeado pela Swat e o público a ocupar calçada e avenida, Buldway faz Gates caminhar, cheio de explosivos, com a mídia a registrar seus passos, ditados pela tensão de prender a respiração.

O importante nestas sequências não é o suspense em si, mas a forma como Foster critica a tendência da massa estadunidense ao espetáculo. Ela não está ali para ajudar Gates, quer apenas participar do show que seu “sequestro” se tornou. Pouco importa se a caminhada leva o escândalo midiático às entranhas de Wall Street e, portanto, à sede do Ibis Clear. Mesmo assim, há neste instante o lúcido grito:”Wall Street é um cassino.

Tramoia leva a prejuízos

Dita assim a frase sintetiza a amplitude do jogo das corporações. Os negócios do Ibis Clear não se limitam ao sistema financeiro, inclui outras atividades. Dentre elas a mineração na África do Sul, motivo de sua enrascada no programa “Jogo do Dinheiro”. O CEO, Walt Camby (Dominic West), acostumado ao suborno, fracassa ao tentar provocar uma greve para dispensar mineiros e ganhar milhões de dólares. Gates e Buldway ajudam a desmascará-lo.

Enquanto James Vanderbilt, em “Conspiração e Poder (2015)”, tratava da relação mídia/poder político, Foster desnuda o conluio mídia/sistema financeiro. E formam, assim, um díptico para melhor análise da estrutura de poder capitalista, chamada no título original do filme de o “Monstro Dinheiro”. Mas, embora em crise, eles estão cada vez mais entrelaçados.


“Jogo do Dinheiro” (Money Monster) Drama. EUA. 2016. 98 minutos. Música: Dominique Less. Montagem: Matt Chesse. Fotografia: Mattew Libatique. Roteiro: Alan Fiore/Jim Koof/Jamie Linden. Direção: Jodie Foster. Elenco: George Clooney, Julia Roberts, Jack O´Connell.

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