“Conspiração e Poder”, vingança da história

Em filme sobre a deserção de George W.Bush durante a guerra do Vietnã cineasta estadunidense James Vanderbilt expõe a falência da grande mídia.

Nas sequências finais deste “Conspiração e Poder”, o famoso apresentador do jornal “60 Minutos” da Rede CBS, Dan Rather (Robert Redford), liga para a produtora do noticiário, Mary Papes (Cate Blanchett). Amargurado, ele sintetiza a história do programa, mostrando o quanto contribuiu para ele render lucros ao conglomerado Viacom, dono da emissora. Nenhuma menção à razão de ambos terem sido lançados à sarjeta: a denúncia de que George W. Bush desertara da guerra do Vietnã.

Com este recurso narrativo, o diretor-roteirista James Vanderbilt mostra que eles eram dois empregados da Rede CBS, a qual vendiam sua força de trabalho intelectual. E que ao porem supostamente em risco os interesses da Viacom e do próprio Sistema, configurado pela Casa Branca, foram sumariamente demitidos. Papes, porém, não se resignou, deu-lhes o troco ao escrever o livro “Verdade e Dever: A Imprensa, O Presidente e o Privilégio do Poder”, em que é baseado o filme, denunciando-os.

Papes, contudo, não é o tipo de jornalista que chafurda com o patrão na lama de interesses espúrios, manchando a própria imagem e reputação, para manter o emprego a qualquer custo. Vanderbilt dá-lhe a grandeza de, longe de ser heroína, enfrentá-los em seus próprios termos, sem distorcer a verdade ou mentir ao espectador. Ela já denunciara no “60 Minutos” as torturas perpetradas pelos soldados dos EUA na prisão de Abu Ghrab, no Iraque, ao submeter os prisioneiros a eletrochoques e chegara à Bush.

Bush desertou da guerra do Vietnã

O então presidente, George Walker Bush (1946), lhe oferecia a grande chance de desvendar um segredo. Candidato à reeleição em 2000, contra o democrata John Kerry (1943), ex-soldado na guerra do Vietnã, hoje secretário de Estado do Governo Obama, ele se alistou na Guarda Aérea Nacional, no Texas, em 1968, como piloto, em vez de fazer como os jovens de sua época. E escapou do campo de batalha, devido às influências de seu pai, George H. B. W. Bush (1924), ex-presidente dos EUA (1989/1993).

Em 1972, Bush não fez o exame médico anual e entrou de licença para fazer a campanha de um amigo a senador pelo Alabama. “Não há documento do comandante (da Força Aérea Nacional) de que ele foi visto por lá”. Surpresa, Lucy Scott (Elizabeth Moss), da equipe de Papes, indaga: “O presidente dos EUA desertou do serviço militar!?”. Ele só ressurgiu no Texas nove meses depois, para dar baixa e ir cursar Administração em Harvard. E nem se justificou.

Esta bomba, confirmada por sucessivos superiores de Bush na Guarda Aérea Nacional, permitem a Vanderbilt montar um leque a se abrir a cada reviravolta, seguida de novos intervenientes e dificuldades para Papes e Rather. O Partido Republicano e, claro, o próprio Bush pressionaram para que o presidente da CBS News, Andrew Heyward (Bruce Greenwood) suspendesse a veiculação da denúncia para não influenciar o resultado das eleições. O que ocorreu mostra como funcionam as corporações da mídia.

Bush troca favores com os conglomerados

Não bastasse, Heyward montou o kafkiano comitê interno para interrogar toda a equipe de Papes, inclusive o âncora Dan Rather, sobre seus interesses pela deserção de Bush. Para chefiá-lo chamaram Laurence Lampler (Dermont Mulroney), ex-membro da equipe do governo Bush, pai. As indagações foram da tendência política dela à pressão de seu pai para que aceitasse o cancelamento das reportagens. Mas, em vez de se submeter, ela desmontou a farsa do comitê e da CBS.

No entanto, os interesses em jogo eram maiores. Também o jornalista Mike Smith (Topher Grace), de sua equipe, enfrentou o chefe de produção do “60 Minutos”, Josh Howard (David Lyons):”Você não acha que a Viacom não precisa do Governo (Bush) do seu lado?” Ele se referia à lei assinada por Bush para permitir que os conglomerados de comunicação pudessem controlar até 39% do mercado de mídia. “(…) Porque é a porcentagem com que a Viacom não terá de vender nenhuma estação”.

Isto mostra a capacidade de Papes, em seu livro, e Vanderbilt, no filme, de sintetizarem a complexa interpenetração de interesses do Sistema e da Mídia nos EUA (e não só lá) para manipular a massa a seu favor. Rather, perspicaz jornalista, entendeu o jogo de interesses, mas não o verbalizou. Ela, pelo contrário, ao invés de silenciar, preferiu expor ao público as entranhas dos conglomerados e as falcatruas de Bush. Forma de vingança apropriada, pois leva-o a refletir sobre a influência da mídia.

Vanderbilt e Papes denunciam a mídia

Ao transitar de um tema político para o corporativo, Vanderbilt ampliou o foco de seu filme. Não é sobre a liberdade de expressão ou o direito do cidadão à informação, insere-se no mundo real das corporações e seu entrelaçar com o sistema, do qual é um dos pilares. Nele predomina a confluência de interesses e troca de favores, para preservar áreas de poder e de manutenção da corporação e seus lucros, via audiência e receita. Papes e Vanderbilt os tornam claros ao escancará-los no filme.


Conspiração e Poder. (Truth/Verdade). Drama. EUA. 2015. 126 minutos. Edição: Richard Francis Bruce. Música: Brian Tyler. Fotografia: Mandy Walker. Roteiro/direção: James Vanderbilt. Elenco: Cate Blanchett, Robert Redford. Topher Grace, Elizabeth Moss.

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