Memórias da saga comunista (X)

Nádia Campeão, vice-prefeita de São Paulo e que recentemente assumiu a Secretaria Municipal de Educação, milita nas fileiras do PCdoB desde 1978, um ano antes de se formar em Engenharia Agronômica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queirós. De família de classe média, encontrou a política logo que ingressou no curso superior.

E o Brasil, encontrou-o – injusto, pobre, explorado – nas longas excursões pelo interior do país que realizava – para estranheza dos pais, que a preferiam no Guarujá – durante as férias. E daí por diante, a opção revolucionária ocupou e dirigiu seu pensamento e sua ação.

Escrevi seu perfil para o livro “Vidas, veredas: paixão”, que produzi em 2012 para a Fundação Maurício Grabois e publicado pela Editora Anita Garibaldi. É o que se lerá a seguir.

A opção pelos pobres do campo 

Quando desembarcou na Escola Superior de Agronomia Luís de Queiroz, em Piracicaba (ESALQ), em 1976, Nádia Campeão tinha apenas uma vaga ideia sobre o que verdadeiramente ocorria no País.

Na república em que Sandra, a irmã cinco anos mais velha, estudante de Letras, morava em São Paulo, ouvira conversas, presenciara articulações do movimento estudantil. Mas nada que revelasse à adolescente da classe média de Rio Claro as inquietações políticas que o País vivia em meados da década de 70. Quando muito, captara que algo de estranho ocorria, até porque percebeu quando amigos de Sandra começaram a desaparecer depois que a polícia, conforme se comentava e noticiaram os jornais, atacara uma casa na Lapa, matando e prendendo pessoas das quais nunca ouvira falar. Só anos mais tarde saberia que na tal casa reunia-se o Comitê Central do PCdoB e que o ataque policial entrou para a história como a Chacina da Lapa.

Mas bastou pisar na ESALQ e tudo mudou. Encontrou os alunos divididos entre a esquerda, uma direita ruidosa e truculenta, formada principalmente de filhos de grandes fazendeiros, e uma vala comum numerosa e indiferente. Um amigo veterano ligou-a ao grupo da esquerda, de modo que desde cedo seu cotidiano universitário passou a ser polarizado entre os estudos e o centro acadêmico e seus debates incandescentes que, muito rapidamente, a lançaram na realidade que o País vivia.

Mas o mergulho nos problemas brasileiros deslanchou e se aprofundou quando Nádia estudou as matérias de Economia Rural, disciplina onde professores de esquerda estimulavam os alunos a optarem, como agrônomos, pelo trabalho com os pobres do campo, o que significava lutar pela reforma agrária. Das leituras e estudos em sala de aula à imersão na realidade concreta, o caminho foi curto. Nos três últimos anos do curso, Nádia e alguns colegas, articulados com a progressista Igreja Católica de Piracicaba, passaram a utilizar suas férias de final de ano em estágios pelo interior, a começar pela Prelazia de São Felix do Araguaia, onde pontificava o bispo Pedro Casaldáliga. Mochila nas costas, mergulhavam no Brasil. Mato Grosso, Goiás, Maranhão, Pará, em cada férias um lugar, acompanhando as lutas pela reforma agrária, conhecendo os sofrimentos do povo, as perseguições do latifúndio e das grandes empresas, particularmente madeireiras.

À família, estranho que a filha, ao invés das tradicionais férias no Guarujá, optasse por meter-se no mato por um mês seguido, mochila nas costas, sem dar notícias, misturada a insetos e pobres.
Num certo momento desse percurso, Nádia encontrou o marxismo e o comunismo nas páginas de Princípios Elementares de Filosofia, de George Politzer, obra seminal que vinha educando gerações de militantes comunistas desde sua primeira edição, durante o governo da Frente Popular francesa, em meados dos anos 30. O livro circulou entre um grupo restrito de estudantes que, pouco depois, em 1978, ingressaria no PCdoB.

Nádia formou-se em 1979. Mais um choque para a família. Depois de se casar com o colega Marcos Kovarick, a filha decidiu trilhar caminho nada convencional para a maioria dos jovens agrônomos. Ao invés de ingressar numa empresa estatal (ou privada) ou trabalhar em grandes empreendimentos agrícolas, Nádia resolveu, em 1980, seguir para o vale do rio Pindaré, no Maranhão. No município de Santa Luzia, passou a trabalhar na Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (Fase), organização não governamental ligada à Igreja Católica que na região se dedicava particularmente à educação popular, mas também a projetos agrícolas e fomento do sindicalismo e à defesa dos direitos humanos entre os camponeses, todos pequenos posseiros, plantadores de arroz cujas mulheres complementavam a renda quebrando coco de babaçu.

Nádia e Marcos partiram de São Paulo com uma senha e um pedaço de revista em quadrinhos cuja outra metade estaria com o contato partidário que iriam encontrar. Mas o contato revelou-se conhecido. Era Dilermando Toni, o Diler, ali chamado de João Alagoano, mecânico de serraria, enfurnado nas articulações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Luzia e amigo do pessoal da Fase. Dois anos antes, a estudante Nádia, estagiando na mesma região e na mesma Fase, havia conhecido Diler e sua mulher Nelma. Mas na época nada sobre o partido fora revelado.

A jovem agrônoma iniciaria ali um período de dez anos de vida e militância no Maranhão. Somaram-se, ela e Marcos, ao trabalho de Diler junto ao sindicato, ajudando a eleger Raimundo Nonato, o Nonatinho, presidente, que mais tarde se tornaria dirigente estadual do partido, sendo assassinato anos depois. A atividade partidária também incluía a participação na política institucional, ocupando uma sublegenda do PMDB, pela qual Marcos foi candidato a prefeito e o partido elegeu um vereador.
No final de 1984, já integrantes do Comitê Estadual, Nádia e Marcos se mudaram para São Luiz. Ele prestou concurso ao Incra e ela tornou-se profissional do partido. Em 1988, Nádia substituiu Dilermando na Presidência estadual e foi eleita para o Comitê Central pelo VII Congresso do Partido. Seus dois filhos, Maurício e Bernardo, nasceram em São Luiz.

Divorciada e percebendo que sua experiência maranhense caminhava para o esgotamento, Nádia voltou para São Paulo em 1990, sendo integrada no núcleo de direção paulista como secretária de comunicação. Como presidente do Comitê Municipal de São Paulo, função que assumiu depois, coordenou o trabalho do partido na campanha de Marta Suplicy à Prefeitura. Com a vitória da petista, Nádia foi indicada para a Secretaria de Esporte e Lazer, que ocupou até março de 2004, quando se afastou para disputar uma vaga na Câmara Municipal. Nesse ano assumiu a Presidência do partido no Estado e em 2006 compôs, como vice, a chapa de Aloísio Mercadante para o governo paulista. No início da 2012 ocupava, além da Presidência do partido no Estado, a Comissão Política Nacional.

Casada desde 1994 com Walter Sorrentino, médico e dirigente nacional do PCdoB, Nádia viu a família perder, gradativamente, os antigos temores que lhe reservavam. Afinal, a filha que andava com camponeses e suas lutas, metida num partido revolucionário alvo de perseguições tornara-se figura pública e importante na política de São Paulo. Sua projeção a conduzira a um círculo de relações que incluía nada menos que o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff. Seu partido crescia, não mais um grupamento pequeno e estranho na arena política. Na verdade, embora temerosa pela segurança de Nádia, a família nunca a hostilizou por suas opções nada convencionais. O pai, que morreu no início dos anos 90, sempre lhe deu guarida. A mãe e as irmãs, jamais lhe negaram solidariedade, embora achando que, naquela marcha, Nádia não daria muito certo na vida.

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