A expansão da soja 

O setor econômico que mais cresceu no Brasil na última década foi, sem dúvida, o agropecuário. Por coincidência, o setor da vida nacional que mais padeceu foi o ecológico, com a degradação de todos os biomas, com mais severidade no Cerrado e na Amazônia.

Não significa dizer que estamos falando de atividades incompatíveis. Todos sabemos que é possível preservar a flora, a fauna, os recursos hídricos e os micro-organismos da natureza e ao mesmo tempo manejar os espaços físicos com lavouras, criação de animais e outros usos que fazem mover a Economia.

Entretanto, o que se discute, com urgência cada vez maior, é a maneira de usufruir dos espaços de que ainda dispomos, que, embora vastos, não são infinitos. A realidade está diante dos nossos olhos, em todos os quadrantes do País.

As fronteiras da soja parecem não ter limites e já adentram a Amazônia e o Nordeste, além do Centro-Oeste há muito já tomado por ela. Tornou-se um dos principais itens das exportações brasileiras e os maiores compradores são justamente a China e o Japão, países onde essa cultura teve origem, milhares de anos atrás.

O pequeno grão se agiganta diante da enorme estrutura que gira em torno da sua produção. São cifras de bilhões de Reais por ano, que poderiam ser exponencialmente maiores se a grande parte (75,1%) não fosse vendida como minério, in natura, apenas secada, sem agregar valor algum.

A safra de 2015/2016, colhida em março e abril passados, bateu novo recorde, segundo dados do IBGE, embora tenha havido queda nas de milho, trigo e sorgo, por condições climáticas. A soja sozinha representou 48% do total de 206 milhões de toneladas de grãos produzidas nessa temporada.

Desse total, as exportações de soja em grão e de seus derivados (óleo e farelo) somaram em 2015 aproximadamente U$ 28 bilhões, quase 20% a mais do que em 2014. Os grãos representam em torno de 15% do total de exportações brasileiras.

São áreas colossais com plantio extensivo, todo mecanizado; pivôs centrais e outros sistemas de irrigação que sugam a água de rios, lagos e subsolo; infraestrutura de transporte por rodovias, ferrovias e rios; portos marítimos modernos; e polêmicas sobre os fortes impactos ambientais disso tudo.

Soja Tropical

O feijão-de-soja, feijão-chinês, feijão-japonês e de vários outros nomes chegou ao Brasil, aos estados do Sul, especialmente o Paraná, pelas mãos do imigrante nipônico. Inicialmente, este era também seu público consumidor, mas logo virou cultura nacional.

O Japão, onde esse grão é a base de toda a alimentação, não tem espaço pra cultivar o tanto que precisa e dependia muito dos Estados Unidos. Por isso, fez um acordo com o governo brasileiro e, já na década de 1970, pôs em ação a JICA (Japan International Cooperation Angency), agência que financiou o Prodecer – Programa de Desenvolvimento do Cerrado.

Esses recursos financeiros pagaram as pesquisas da Embrapa, empresa estatal de pesquisa. Ela desenvolveu a soja tropical, adaptada ao clima temperado, já que no Brasil ela só era cultivada em região fria, ou seja, os estados do Sul. E financiou também produtores rurais dispostos cultivar esse feijão.

Uma das principais promotoras dessa deslanchada foi a Coopervap – Cooperativa de Produtores do Vale do Rio Paracatu, abrangendo todo o sudoeste de Minas Gerais. Boa parte dos agricultores foram atraídos nos estados do Sul e, por isso, são conhecidos genericamente por “gaúchos”.

As primeiras plantações, em verdade, foram experimentadas no Sudoeste goiano, especialmente em Rio Verde, Santa Helena e Jataí e depois se espraiaram pelo país inteiro. Dali, foi um passo pra entrar no Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.

Do Paracatu, pelo lado Leste, as novas lavouras subiram as encostas e chegaram ao Planalto Central, através dos territórios de Cristalina, Luziânia e tantos outros municípios de Goiás. Dali, tomaram conta de todo o Norte goiano.

Hoje, já é plantada em todas as regiões do país. As áreas mais recentes, que em grande parte eram cobertas de florestas, estão no Norte, nos estados de Rondônia, Tocantins, Maranhão, Pará e até no Acre e em Roraima. No Nordeste, são encontradas principalmente no Piauí e Oeste da Bahia.

Impactos ambientais

Os efeitos da agricultura extensiva sobre o meio ambiente começam com o próprio manejo das terras cultivadas. Enormes áreas são desmatadas em todos os biomas de maneira uniforme, normalmente ignorando por completo a fauna e a flora nativas, com invasão e consequente destruição de veredas e matas ciliares.

Com a mecanização exagerada, são atingidas as nascentes de cursos d’água de forma letal. Na região leste da Serra Geral, que divide Goiás com a Bahia, em menos de uma década mais de uma dezena de córregos e ribeirões secaram. É apenas um exemplo, pois o fenômeno ocorre em todas regiões de fronteira agrícola do país.

Ademais, na maioria das fazendas surgidas nas últimas décadas foi abolido o uso de curvas de nível nos terrenos plantados. Assim, a água de chuvas ou da irrigação levam consigo os próprios solos, assoreando cursos de água, veredas, lagoas e lagos.

No entanto, este acaba sendo apenas um problema, igualado por outros, tão ou mais agressivos, como é o caso dos agrotóxicos. O uso indiscriminado de venenos, borrifados por pequenos aviões-tanques, atingem também áreas que não são de cultivo.

Contaminam pastagens e, em consequência, o gado que nelas pasta. Também afetam as matas, habitat de mamíferos silvestres, pássaros e outros seres vivos, além dos rios, atingindo o peixe que é também alimento humano. E atingem de igual modo as faixas de domínio de rodovias e núcleos habitacionais, agindo diretamente sobre as pessoas.

Em muitos casos, os produtos borrifados são de uso proibido, já banidos na Europa e EUA. São adquiridos de forma ilegal, por contrabando, e os órgãos de controle alegam dificuldades operacionais que dificultam a punição dos (ir)responsáveis. A Justiça, muitas e muitas vezes, dá ganho de causa ao infrator.

A última grande apreensão que se tem notícia foi feita pelo Ibama na fronteira de Rondônia com o Amazonas, há quatro anos. Grande parte das quatro toneladas de agrotóxicos apreendidas era do reagente 2,4D, que vinha sendo usado pra desfolhar floresta, antes do desmate completo.

O detalhe é que este é um dos dois principais componentes do Agente Laranja, que fez atrocidades na Guerra do Vietnã, na década de 1960. A Monsanto, principal responsável por este e outros venenos vendidos no Brasil, paga indenizações e responde a um mundaréu de processos na justiça dos EUA.

Por fim, o novo Código Florestal, implantado pela Lei 12.651/2012, flexibiliza bastante as regras de proteção de florestas e outras vegetações nativas. Esta lei foi aprovada pelo Congresso Nacional, apesar de críticas de entidades ambientalistas e organizações sociais.

A junção de tudo isso provoca, com bastante frequência, o esgotamento de enormes áreas. Estas, quando não recuperadas – até porque custa caro –, são desertificadas, como apontam levantamentos do ICMBio e Ibama em incontáveis pontos do país.

O mais interessante, contudo, é que hoje em dia existe tecnologia capaz de compatibilizar a agropecuária com a preservação ambiental. Basta reduzir a ganância e aumentar a vontade de fazer direito.

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