Um ano fora do cumum 

Podemos dizer que 2016 está sendo um ano completamente atípico. Em meio a crises econômica, política e institucional, e de um golpe de estado em andamento, é também um ano eleitoral, em que olhares e esforços físicos e financeiros estarão voltados às eleições locais em todo o país. Já vivemos, pois, um período que demanda esforços redobrados e que esbanja incertezas.

O país está sob o comando de um governo golpista, mas de qualquer modo provisório, pois terá que cumprir um prazo legal de até 180 dias até que se concretize o fim da interinidade, conforme determina a lei.

Isso, levando-se em conta que a possibilidade de Dilma voltar ao cargo é bem concreta – basta alguns senadores que votaram pela admissibilidade do impeachment mudarem seu voto. Permitir a investigação é uma coisa, punir é outra, seria o argumento desses parlamentares.
Uma situação institucional restrita ao plano federal, mas que tem severos impactos sobre todos os entes federados, a começar pela descontinuidade ocorrida nos programas oficiais e fluxo de recursos.

Pesquisas das mais diversas fontes revelam que a figura do político e do próprio governante está profundamente desgastada junto a todas as faixas da população. As manifestações de ruas, desde aquelas de 2013, são a evidência maior disso, um sentimento que não se sabe com clareza como irá se projetar nas urnas.

Não se deve perder de vista o fato de que os gestores municipais estão mais expostos. São eles que fazem a conexão mais direta do poder público com os cidadãos, tanto através do Executivo quanto do Legislativo. É no município que está a base do desenvolvimento econômico e social e, assim, se torna a parte mais visível do poder público.

O tamanho dessa exposição só as urnas irão dizer, no final das contas, mas já é possível se aferir por meio de enquetes e pesquisas ou mesmo pelas conversas em logradouros públicos. Já é voz corrente que, neste pleito, serão menores as possibilidades de reeleição de quem está em gozo de mandato.

No debate eleitoral, os adversários tendem a imputar aos atuais chefes dos executivos municipais a culpa por todos os problemas decorrentes da crise econômica. Sejam quais forem suas origens, os reflexos negativos na localidade, especialmente sobre os serviços públicos, são facilmente atribuíveis aos gestores locais.

Ademais, haverá menos tempo pra se defender ideias ou desfazer visões que não correspondam à realidade. O período de campanha passa a ser de 45 dias, em vez dos 90 dias antes vigente, com início em 16 de agosto. Dez dias depois começa o espaço eleitoral no rádio e Tv, que também muda, passando a ser de 35 dias.

As convenções de escolha de candidatos ocorrerão impreterivelmente entre 20 de julho e 5 de agosto. O prazo de registro dos candidatos em cartório é até às 19h do dia 15 de agosto.

Alianças

Também as coligações e alianças, neste pleito, ganharam contornos diferenciados. O PT, por exemplo, com certeza sofrerá os efeitos do enorme movimento que se formou contra ele, a partir das investidas da grande mídia, da Operação Lava Jato, do Ministério Público e do próprio Supremo. A marca da corrupção colou bastante na agremiação.

Em vista disso, a direção nacional do partido chegou a ensaiar vetos a alianças até mesmo com o PMDB, tradicional parceiro, alegando traição de Temer. Prevaleceu, porém, a lógica do momento histórico por que passa o país e o que irá valer serão as realidades locais. A reputação das pessoas terá mais valor que a sigla a que ela pertença.

Analistas das mais diversas correntes concordam em que as eleições municipais podem trazer surpresas. O voto de protesto pode ser uma delas. Espera-se, porém, que a atitude rebelde da anulação da cédula ou a abstenção não tenham presença muito marcante, a ponto de comprometer o próprio resultado final do pleito.

De qualquer modo, é certo que a ficha dos candidatos terá grande peso na decisão do eleitor. Candidatos que respondam a processos por improbidade administrativa em qualquer setor da vida, por exemplo, por certo terão maior dificuldade de cativar a simpatia daqueles que irão depositar seus votos nas urnas.

Contudo, é de igual modo esperado que a evolução do quadro político-institucional no plano nacional, incluindo o desempenho do governo de Michel Temer, terá grande influência sobre o restante dos acontecimentos.

Quadro Nacional

Desde as primeiras ações, o governo de Temer assumiu a tese do “estado mínimo”, de identidade neoliberal. Isto significa medidas de enxugamento da máquina pública, que começou com a redução do número de ministérios. Enfrentou, então, um primeiro revés, ao suprimir e reinstituir o Ministério da Cultura.

Mas, persiste a insatisfação da comunidade científica, por exemplo, crítica do rebaixamento do Ministério da Ciência e Tecnologia à condição de secretaria. O mesmo ocorre com as entidades ligadas à luta pelos direitos das mulheres e os agricultores familiares, setores com significativo peso eleitoral.

Embora formado de modo a contemplar os aliados, o ministério teria duas figuras-chaves: o banqueiro Henrique Meirelles e o senador Romero Jucá. Um, na definição da Economia; o outro, embora no ministério do Planejamento, faria a interface com o Congresso Nacional, pelos seus dotes de articulador político.

A decisão judicial que impediu Jucá de assumir o cargo, entretanto, provocou outro revés nos planos. De todo jeito, foram esboçadas medidas de caráter imediato, de ajustes do orçamento, e outras de fundo, que incluem a entrega da exploração do petróleo das reservas do pré-sal, a reforma da Previdência e privatizações, que podem incluir a Petrobrás.

O fato é que a caixa de surpresas de gravações secretas, delações premiadas, investigações em curso e agilização de processos no Supremo Tribunal Federal sugere que muita água ainda vai rolar no cenário político-institucional.

Segundo dados do próprio Supremo, tramitam naquela Corte 38 processos envolvendo 55 dos 61 senadores da República. Outra quantidade envolve 190 deputados federais dos mais diversos partidos.

Além do mais, mesmo partidos aliados manifestam simpatia pela ideia de eleições gerais, o quanto antes possível. Afinal, tramita no Tribunal Superior Eleitoral o pedido do PSDB de cassação da chama Dilma-Temer, por supostas irregularidades nas últimas eleições. Se aprovado o pedido, haverá novas eleições presidenciais.

De todo jeito, enquanto isso todos os partidos mantêm suas ações com vistas às eleições de 2018. Mas todos estão comprometidos com o processo em curso, de um lado ou de outro. Todos, menos a Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, que pode estar usando essa equidistância como trunfo eleitoral.

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